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quarta-feira, 27 de julho de 2011

Pescaria com o Avô - Terrorista/4

Márcio e Lúcia dormiam, em quartos separados, porém conectados pela rede. O suave fluxo elétrico de suas mentes a sonhar sendo transmitido de um para o outro, indo e voltando. Eles não chegavam a ter os mesmos sonhos, mas sonhavam ao mesmo tempo, em sincronia.

Márcio acordou primeiro, e abriu seus olhos para o mundo virtual a seu redor. Quase que instantaneamente sua irmã apareceu a seu lado, ainda despertando, os braços se estendendo enquanto se espreguiçava, a boca se abrindo em um bocejo.

- Onde estamos? - ela perguntou, olhando ao redor.

- É a casa do vovô. Eu estive aqui uma vez - no mesmo instante que ele respondeu, seu avô apareceu na sua frente. As duas crianças gritaram e correram para abraçá-lo.

Antônio Santos Wu pegou cada um em um braço e levantou-os, algo possível apenas na rede. Em seu corpo frágil, ele mal poderia se mover de sua cama. Eles o abraçaram e beijaram.

- O que está fazendo aqui, vovô? - perguntou Márcio.

- Você nunca vem nos visitar! - criticou Lúcia.

- Lembram que eu prometi que iria levá-los para pescar, um dia? - Ele disse, sorrindo para um e para o outro, enquanto os colocava novamente no chão - Vocês não acharam que eu esqueci minha promessa, acharam?

- Mas você nunca tem tempo para nós - Lúcia, começando a emburrar a cara.

- Pois hoje eu tenho - ele disse, e girou seu braço. O quarto ao seu redor se transformou, se encolheu ao redor deles, até se transformar em um pequeno barco no meio de um oceano azul. - E hoje nós vamos fazer nossa pescaria.

Eles passaram as próximas horas a pescar e conversar sobre coisas sem importância. Conviver com o avô era tão raro que queriam aproveitar cada momento. Os peixes eram devolvidos ao mar, após serem trazidos para bordo.

- A vida toda, eu busquei ter mais tempo para viver - ele disse, em determinado momento, quando o sol estava quase a se pôr - e vivi por muito tempo. Acho que vivi mais que qualquer outra pessoa viva. E no entanto, tive tão pouco tempo para ser pai, e ainda menos para ser avô. Ter este momento com vocês dois foi um presente inestimável que ganhei.

E então seu rosto se tornou sério. O sol se pôs e, súbito, estavam novamente de volta a sua casa. Quando continuou a falar, os gêmeos perceberam que algo grave ele tinha para dizer. Havia uma tristeza em seu olhar.

- Este dia que passamos foi um presente também para vocês, e foi real, tão real quanto poderia ter sido. Não duvidem disto, mesmo que outros digam o contrário. E lembrem-se que eu sempre os amarei, meus netos.

Lúcia olhou para ele sem entender - Por que está dizendo isto, vovô? Alguma coisa ruim vai acontecer?

Márcio apenas foi ficando branco, o avatar transmitindo com perfeição os sentimentos que passavam por ele. - Alguma coisa já aconteceu. Não é vovô?

- Vejo que você já entendeu, meu neto. Não queria estragar este momento. Seja forte, sejam ambos fortes, e sejam muito felizes. - Não foi o avô que desapareceu, mas todo o cenário, se transformando, de súbito, no escritório de seu pai.

- Onde vocês estavam? Não conseguíamos rastreá-los em lugar nenhum - a voz de Lúcio Santos Wu irritada. Seu avatar mostrando um rosto jovem, agressivo, e muito diferente do rosto do avô. Embora nunca tivessem visto seu rosto verdadeiro, Márcio e Lúcia só podiam acreditar que sua imagem real fosse uma simples versão mais jovem do avô, ambos e Márcio pertencentes a mesma matriz genética. Mesmo Lúcia também, exceto pelos cromossomos X.

- Nós estávamos pescando com - Lúcia não chegou a terminar a frase, e se calou. Um sinal imperceptível passou do irmão para ela, tão sutil que a rede não detectaria como uma mensagem. Para ela foi quase como se fosse um grito: "silêncio".

- Nós estávamos pescando, em um novo jogo virtual. Como queríamos ficar sozinhos, cortamos o rastreamento - Assim que Márcio terminou de responder, recebeu de sua irmã uma resposta, também codificada, aproveitando o mesmo fluxo de transmissão: "não o provoque".

- Vocês não podem manipular a rede. Não neste nível, vocês não têm noção do estrago que poderiam causar.

- Eu sei o que eu faço. - Márcio, olhando nos olhos do avatar de seu pai. "não o desafie, não agora, alguma coisa aconteceu", foi a mensagem silenciosa de sua irmã.

"eu sei o que aconteceu, e sinto muito, irmã. Ele vai nos dizer agora.".

- Mas não foi para isto que eu os chamei. Algumas horas atrás, seu avô faleceu. Como sabem, ele estava muito velho. Eu sinto muito - "Não, você não sente", foi o pensamento de Márcio, mas ele não o transmitiu para sua irmã. Seria cruel. Ele apenas a abraçou, em silêncio, os olhos ainda fixos em seu pai.

* * *

Existe uma caverna.

A caverna está mapeada na rede, mas ao mesmo tempo está além dela. Em registros que não fazem parte do rastreamento, criados antes mesmo do sistema operacional da rede ser construído.

É uma caverna alta e ampla, que desce até terminar em um lago escuro. A caverna é mais antiga que a rede. O lago, pouco mais recente.

Há uma mulher, sentada sobre uma rocha. Em sua mão, um cálice de vinho tinto. No chão, o corpo de um homem muito velho, na verdade o homem mais velho que já morreu.

O homem, a mulher, o cálice, nenhum deles existe de fato, são apenas registros em computadores, fluxos de bytes a circular pela rede. E, no entanto, todos são reais. Mas apenas a mulher está viva.

- Eu achei que estaria feliz. - Ela diz, falando para o corpo do homem, sem ninguém a ouvir, e bebe novamente do cálice. Ele se enche uma vez mais, do nada, de vinho. Ela está levemento tonta - Todas as vezes que imaginei sua morte, eu estava alegre. E agora você está morto de verdade, e não fui eu que o matei. E eu estou triste.

Ela se levanta da pedra, e se aproxima do morto. - Por que você me pediu este favor? Foi por você? Foi por eles? Foi por mim?

O ambiente se escurece. E esfria. - Lúcifer, é você?

- É melhor partir, Ana - Uma voz nas trevas.

A mulher se vira, olha uma última vez para o corpo, e desaparece.

aventuraeficcao.blogspot.com

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