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FICÇÃO CIENTÍFICA  -  FANTASIA  -  TERROR.


domingo, 6 de abril de 2014

O Último Homem

   Para Artur Costa, a solidão era a pior parte da imortalidade. Tinha sido ruim quando o mundo morreu, de forma inesperada e estúpida, há 112 anos, mas agora era ainda pior. Pelo menos, enquanto ainda havia algum sobrevivente para conversar, ele podia se permitir uma esperança de futuro.
   - Você não podia fazer isto comigo, Randolph, não tinha o direito de me abandonar - Artur falou sozinho, em voz alta, enquanto caminhava a esmo, o som saindo pelos autofalantes de seu traje corpo. Ele vinha falando sozinho nas últimas semanas, desde que encontrou Randolph morto, a bateria central de seu corpo arrancada. Mesmo que ainda houvesse algum animal ou pessoa no planeta, Artur não teria dúvida do que tinha acontecido: suicídio.
   - Você foi um maldito egoísta, é isto que você foi. Não pensou nem um minuto em mim, não é? Se era ruim para você, tendo apenas uma pessoa para conversar, o que me resta, hein, Randolph? Nós juramos que não íamos desistir, que não íamos deixar o outro sozinho, quando todos os demais se foram! - Artur sabia que parecia um louco, caminhando sozinho pelo planeta devastado e falando como se houvesse alguém ao seu lado. Seria melhor se ele realmente tivesse perdido a razão. Talvez assim sua existência fosse menos insuportável.
   Caminhar era a única coisa que lhe restava. Enquanto ele caminhasse, poderia fingir que tinha a esperança de encontrar mais alguém vivo, mais algum sobrevivente da catástrofe, vivendo há mais de um século em um traje corpo, como ele. Mas as chances eram mínimas. Os trajes corpos eram uma novidade quando o asteróide se chocou com a Terra e praticamente incendiou a atmosfera, não deviam haver mais de cem humanos vivendo em corpos robóticos, e a maioria provavelmente morreu no impacto ou nos gigantescos tsunamis que varreram todos os continentes.
   Artur parou de caminhar. O sol estava se pondo, hora de dormir e poupar energia. Dormir e sonhar eram o que mais humano ainda lhe restava.
   Um a um, os sensores externos do traje corpo foram desligados, como se Artur estivesse fechando os olhos. Em alguns minutos ele poderia sonhar com uma época em que ainda havia vida no mundo.
   "Ellen, Carlos, Belini, Sophia", Artur repetiu em silêncio o nome de cada um dos imortais que sobreviveram ao impacto, o pensamento se tornando lento enquanto o sono se aproximava, "Randolph". Cinco imortais, dois deles Artur nunca chegou a encontrar pessoalmente, apenas manteve contato pela Internet. Todos os cinco mortos, Sophia há mais de 15 anos. E agora, por fim, Randolph, o último companheiro a compartilhar a Terra com Artur.
   E Artur dormiu, sozinho, em meio a Terra devastada.
 * * *
   Quando Artur despertou, o sol estava nascendo no horizonte, à sua esquerda. A bateria principal do traje corpo estava quase esgotada, a intensa caminhada dos últimos dias gastando mais energia do que ele conseguia absorver diretamente do sol. Se não encontrasse um gerador funcional, teria que diminuir o ritmo de seus movimentos, ou voltar para a usina solar que ele e Randolph haviam usado como base nos últimos anos.
   Ele optou por seguir adiante.
   Foi no meio da tarde, enquanto caminhava por uma estrada, que Artur percebeu algo surpreendente. Nunca, desde a catástrofe que extinguiu a humanidade, ele havia encontrado uma estrada tão bem conservada.  A surpresa se transformou em esperança nas horas seguintes, a medida que Artur agora corria em gigantescos passos de traje corpo, sem se preocupar em poupar energia. Não apenas na estrada, mas também ao redor havia nítidos sinais de reconstrução. Pedras retiradas do caminho e até uma ponte intacta, claramente nova.
   Era o final da tarde quando Artur encontrou os robôs. Não um ou dois, como ele já havia encontrado outras vezes, principalmente nas primeiras décadas após a catástrofe, mas centenas, construindo edifícios, postes, linhas de comunicação.
   Ele parou, surpreso. Alguém fez isto, pelo menos um sobrevivente tinha que estar por trás disto. Diferente do traje corpo, estes robôs não sobreviveriam por mais de um século sem manutenção, sem acesso a geradores de energia.
   Enquanto ele observava, dois robôs se separaram dos demais e vieram em sua direção.
   - S2469, S2457, quem é o supervisor humano de vocês? - os códigos dos dois robôs estavam visíveis no metal.
   - Não precisamos de supervisores - o robô menor, S2457, falou em uma voz natural para um robô. Imediatamente, o segundo robô passou a sua frente e o interrompeu.
   - Nenhum registro de supervisor humano - o robô maior falou em uma voz mecânica mais condizente com as lembranças de Artur dos dias antes da catástrofe.
   - Quem construiu vocês?
   - S2469 e S2457 produzidos pelo distrito industrial automatizado F07.
   - Mas quem reativou as fábricas? Quem está comandando vocês?
   - Distrito industrial automatizado F07 não foi reativado. Distrito industrial automatizado F07 operando ininterruptamente desde 2113.
   Isto era antes da catástrofe. De súbito, a compreensão do que isto significava destruiu a esperança recém nascida de Artur Costa. Ele só tinha uma última pergunta, que hesitou alguns instantes antes de finalmente fazer.
   - Quando foi o último contato com um humano, antes de mim?
   - 2115, 112 anos atrás.
   Artur Costa se virou e continuou em seu caminho, sem se dar ao trabalho de se despedir dos estúpidos robôs, criados em uma fábrica automatizada que seguia mecanicamente cumprindo sua última tarefa.
   Não havia esperança. Para sempre, ele estava sozinho.
 * * *
   Enquanto o último homem na terra se afastava, já distante demais para ouvir suas vozes, S2457 falou, e sua voz parecia ter a mesma naturalidade de um ser humano.
   - Por que você fingiu ser um robô estúpido? Por que não me deixou mostrar tudo que construímos, tudo que nós, robôs, evoluímos, desde que os seres humanos se foram?
   - Nada de bom viria disto - S2469 respondeu em uma voz muito diferente da que usou para falar com o humano - deixe-o morrer em paz. O tempo do homem se foi.