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FICÇÃO CIENTÍFICA  -  FANTASIA  -  TERROR.


quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Principe Melvin, Matador de Dragões

O dragão me esmaga contra o chão, sua pata em cima de meu escudo. É difícil respirar. Minha espada esta caída, quebrada e além do meu alcance.

O dragão fala.

- Aposto que você achou que seria fácil me vencer, não é, criança? Aposto que veio aqui com a cabeça cheia de histórias dos homens, histórias de heróis matando dragões e resgatando princesas. Você sabia que nós dragões também contamos histórias?

Eu tento tirar minhã mão esquerda por baixo do escudo. Em minhas roupas eu tenho uma ORB mística, a ORB de meu pai, o Rei Magnus. Grandurf, o mago, me disse para somente usá-la na minha hora mais desesperada.

- O que houve? Não consegue falar? - o dragão solta ligeiramente o peso, me permitindo respirar melhor e mover um pouco o braço. - o dragão comeu sua lingua?

Eu tenho que distraí-lo, mantê-lo ocupado tempo suficiente para conseguir pegar a ORB.

- Solte-me e enfrente-me se tem coragem, dragão. Você nunca mais aterrorizará a vila de Mathigan.

- Enfrentá-lo? Eu acho que acabei de enfrentá-lo. E você perdeu. Quem você pensou que era para enfrentar um Dragão, garotinho? Mais um herói que acha que vai viver feliz para sempre?

Era verdade que eu tinha sido derrotado. Minha espada encantada, enfeitiçada pelo próprio Grandurf, se quebrou na pele do dragão. Mas a ORB era de um feitiço ainda mais antigo, estava a gerações na minha família, Grandurf me contou. Meus dedos estavam encostando nela, mas eu precisava segurá-la em minha mão para usá-la. Se eu apenas puder puxá-la com a ponta dos dedos...

- Eu sou Melvin, o verdadeiro príncipe perdido e herdeiro das terras do norte, destinado a libertar nosso reino de todos os dragões e criaturas místicas. Eu vim para libertar esta vila de seu domínio.

- Ah, Grandurf o encontrou e lhe contou seu verdadeiro destino, eu aposto. E o que você era antes de Grandurf visitá-lo e revelar sua verdadeira origem? Um camponês? Um criador de ovelhas? Adoro histórias humanas, nelas vocês sempre são príncipeis e herdeiros de tronos.

Duas semanas atrás, eu pensava ser apenas um aprendiz de ferreiro, morando com meu tio, ou melhor, com um homem que dizia ser meu tio. Mas na verdade eu sempre soube que era diferente, que corria sangue nobre em mim. Quando Grandurf me encontrou, e me revelou minha verdadeira origem, tudo fez sentido. Eu era o príncipe perdido, e a profecia dizia que eu livraria o mundo dos dragões.

Começo a puxar a ORB das minhas roupas com meus dedos e adquiro nova confiança. Mais alguns segundos e poderei usar seu poder.

- Grandurf me treinou, dragão, me treinou para vencer criaturas como você. Eu vou salvar a vila de Mathigan.

- Claro que vai, você vai salvar a vila de Mathigan por um mês inteiro, até eu ter fome novamente. Até o próximo príncipe perdido vir me enfrentar.

Minha mão se fecha na ORB..

- Eu vou derrotá-lo, dragão, vou derrotá-lo com magia mais antiga que sua espécie. Vou derrotá-lo com a ORB dos matadores de dragões, entregue em minhas mãos pelo próprio Grandurf - e me concentro na ORB, uso toda minha força de vontade para ativá-la.

Nada acontece.

- A ORB de Grandurf? Grandurf, que convenceu-o que você era um príncipe? Grandurf, que traz um novo garoto aqui a cada mês, para que eu continue poupando sua vila? Grandurf que encheu sua cabeça das histórias humanas, que terminam com os heróis vencendo e vivendo felizes para sempre?

O pavor toma conta de mim.

- As histórias de dragões são mais simples. Elas sempre terminam com uma refeição. E você sabe qual nossa comida favorita?

Eu apenas balanço a cabeça, em sinal de não. O dragão abre a boca, e então um jato de fogo me envolve.

- Carne assada.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Ana - Terrorista/6

Ana estava sentada em um banco da praça Iwasaki, como se fosse apenas mais uma jovem aproveitando uma folga. Alguns metros a frente, algumas crianças brincavam um jogo virtual, com mini-dragões soltando fogo e pequenos castelos surgindo do chão. Um homem alto, aparentando trinta e poucos anos, vestindo um sobretudo escuro, estava sentado a seu lado.

Homenagem ao avô japonês de Antônio Santos Wu, recém falecido fundador da Corporação Wu, a praça Iwasaki era mapeada em estilo japonês antigo, com templos xintoístas, jardins de pedras e avatares de monges budistas orientando os visitantes. Combinando com o ambiente, o rosto de Ana agora trazia leves traços orientais, mas ainda transmitia a impressão de uma jovem. Sua idade aparente era o assunto da conversa com o homem a seu lado.

- Não entendo sua preocupação, Hector. Vocês, humanos, vivem alterando suas aparências, sua idade, até mesmo seu sexo. Porque é tão estranho fazermos o mesmo? - Enquanto falava, ela acompanhava atentamente as crianças a brincar. Um observador atento perceberia que era um garoto em particular que prendia sua atenção.

- Talvez não seja, mas eu esperava que você voltasse a idade que sempre aparentou, seus trinta e poucos anos, depois de terminada sua última missão. Mas você está mantendo a mesma idade que usou para se aproximar de Mary.

- Eu complementei minha missão, a navegadora não está mais a serviço da corporação. Além disto, Wu, o velho, está morto. Eles nunca estiveram tão vulneráveis, Hector. Não vejo por que está preocupado com a minha aparência, quando estamos fazendo nossa parte do plano de forma perfeita.

- Não estou preocupado com o plano, Ana. Estou preocupado com você.

- Preocupado comigo? - Ana deu uma leve risada, enquanto Hector a olhava, atentamente.

- Talvez esteja gostando desta Mary mais do que quer admitir.

- Hector, temos trabalhado muito próximos há anos para derrubar a corporação e tudo que ela representa. Sei que você gostaria que eu tivesse o mesmo tipo de sentimentos que vocês têm, mas, eu já lhe disse, eu não sou humana. Eu não sinto nada pela navegadora - Ana faz uma pausa, como se estivesse hesitando em continuar - nem por você. Sinto muito.

O rosto de Hector se fechou, por um instante - não é isto. Não estou com ciúmes. Só preocupado.

- Não se preocupe. Retomamos o contato amanhã?

- Como sempre. Espero trazer novidades.

Hector se levantou, deu alguns passos, e desapareceu do cenário virtual. Ana voltou a olhar para as crianças que brincavam a sua frente, ainda mantendo sua atenção no mesmo garoto, uma criança de uns oito anos.

Por dez, talvez quinze minutos, as crianças jogaram, alheias a jovem que as observava. Um complexo jogo de estratégia e fantasia se desenrolava, com castelos se levantando do chão, para em seguida serem derrubados por dragões.

O garoto que Ana observava era possivelmente o mais habilidoso no jogo, mas não estava ganhando. Jogava defensivamente, mais construindo castelos e proteções que criando dragões para destruir os dos oponentes. Mesmo sem estar na frente, havia construído o mais forte castelo, e fortificáva-o agora cada vez mais. Não venceria, mas quando o jogo terminasse, também não teria sido derrotado.

O garoto olhou ao redor, no centro de seu pequeno castelo virtual. As muralhas eram translúcidas, e ele podia ver três ou quatro pequenos dragões tentando, sem sucesso, derrubar as paredes que ele levantou, e os outros jogadores mais ao longe. O banco da praça também era visível, mas ele não chegou a perceber que não havia mais ninguém nele.

- Quando construir um castelo, não esqueça de proteger as paredes de trás tão bem quanto as da frente - o garoto se virou, pulando de susto. Atrás, um pequeno dragão negro o olhava.

- Ok, perdi - ele respondeu, resignado. - Você é o dragão de quem?

- De nenhum de seus amigos. Eu sou um dragão mensageiro.

- Hein? Nunca ouvi isto. Mensageiro de quem?

- Diga a seu pai que você tem uma mensagem de Ana para ele. Diga a Tanho que, se algo acontecer a Mary, eu vou voltar a ver você, e algo muito pior do que isto vai acontecer.

- Isto o que?

O Dragão não respondeu. Ele abriu sua boca e dela saiu um jato de fogo, que queimou completamente o avatar de Timothy.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

A Falsa Invasão Alienígena

"Meu pai costumava dizer que há um, e apenas um grande evento que marca cada geração", a voz do congressista Jason Brin era baixa, as mãos enrugadas ligeiramente trêmulas, os olhos focados no documento que acabara de receber. Dois homens estavam sentados em uma mesa, a sua frente. A seu lado, seu amigo e assessor, Dennis Smith.

"Para meu bisavô, foi Pearl Harbor", Brin continuou, "para meu avô, Neil Armstrong pisando na lua. O 11 de setembro, para meu pai." Ele ergueu os olhos para os dois homens a sua frente. "Acho que todos sabemos qual foi o evento que marcou nossa geração. Eu estava no congresso no dia que o presidente declarou lei marcial e avisou que uma frota alienígena estava vindo para a Terra. E vocês estão me dizendo que foi uma mentira."

"Sabemos que é difícil de acreditar, Senhor Brin. Seu assessor também estava cético quando mostramos este documento pela primeira vez". O mais alto dos dois respondeu, e olhou para Dennis.

"Jason, eu receio que não temos escolha além de levar isto ao público. Eu revisei e investiguei cada um dos relatos contidos aqui. Inclusive estive em Roswell e na área 51. É tudo verdade, estamos diante da maior fraude já realizada por líderes de uma nação". Dennis tinha uma voz grave, mas tranquila e firme. Era quase impossível vê-lo zangado ou perdendo o controle.

"Três nações, Dennis. Pelo que estes cavalheiros estão dizendo, os líderes da Rússia e China participaram, junto com nosso presidente, de uma fraude", o Senhor Brin desviou os olhos de seu amigo, e olhou novamente para os dois homens. Ambos estavam de terno e gravata pretos, e óculos escuros. "Se eu entendi corretamente, vocês afirmam que não vai haver nenhuma invasão alienígena. Mais que isto, que desde a época de Roswell, os Estados Unidos fazem parte de um complô mundial para nos fazer acreditar em UFOs e alienígenas.", ele suspirou, "Perdoem-me se estou descrente".

"Na verdade, senhor Brin, as coisas não aconteceram exatamente desta forma. Nós não acreditamos que ouvesse algo tão abrangente planejado na época de Roswell, as mentiras simplesmente foram crescendo de tamanho."

"Eu sei que parece loucura à primeira vista, Jason", Dennis interrompeu o homem de preto. Carl era seu nome, enquanto o menor, até então em silêncio, se chamava Vincent. "Mas quando olhamos passo a passo, as coisas começam a fazer mais sentido. Em Roswell eles apenas queriam esconder a queda do primeiro avião invisível ao radar, e inventaram uma explicação oficial, com um balão metereológico, e um complô, envolvendo alienígenas que teriam caído aqui."

"A tática funcionou melhor que eles esperavam", Carl continuou a explicação de Dennis, "A melhor forma de esconder uma informação é fingir que você está escondendo outra. Quem não acreditou na explicação sobre um balão começou a investigar e ouvir boatos sobre alienígenas. A verdade ficou protegida".

"Ok", Jazon Brin levantou ligeiramente as mãos, em um sinal para ambos pararem, "Esta parte até posso entender. Mesmo todos os outros relatos de UFOs, teoricamente escondidos pelas autoridades, mas na verdade criados por elas para desviar nossa atenção, tudo isto eu posso aceitar. Mas como vocês querem que eu acredite que a invasão alienígena contra a qual estamos nos preparando nos últimos dez anos não existe? Eu vi as fotos não apenas dos nossos telescópios, mas também dos russos e chineses".

"É justamente a ação em conjunto das três nações que fez o mundo acreditar, senhor Brin. A guerra sempre foi um instrumento fundamental da política, mas como é possível fazer guerras quando as grandes potências todas têm armas nucleares? Os Estados Unidos precisavam fomentar suas indústrias, os Chineses precisavam desviar a atenção de sua nova classe média, antes que novas revoltas eclodissem. Quanto aos Russos, bom, eles nunca precisaram de muitos motivos para mentir para seu povo, não?".

"Eu analisei todo este material, Jason, inclusive enviei partes dele para diferentes especialistas. As fotos de nossos telescópios, de naves inimigas se aproximando do sistema solar, são falsas. A grande revelação do presidente, de que havia realmente caído uma nave alienígena em Roswell, foi uma mentira. Tudo foi armado para permitir a declaração de lei marcial e a implantação das reformas econômicas."

O congressista folhou o documento, mas ele sabia que Dennis era extremamente meticuloso, e um perito em encontrar a verdade e reconhecer falsificações.

"Muito bem. Estarei arriscando meu futuro político, mas eu vou levar isto ao congresso, e será investigado. No mínimo vamos interromper toda esta maluquice de produção de armas e abrigos nucleares, até sabermos verdadeiramente o que está por trás de tudo isto".

"Jason, meu amigo", Dennis colocou a mão em seu ombro, "eu creio que você estava errado sobre o grande marco de nosso tempo. O evento que marcará nossa geração será seu discurso, revelando a maior fraude da história."

"Veremos". O congressista e seu assessor se levantaram, e se despediram dos dois homens vestidos de preto.

"O que você acha que vai acontecer agora", o homem mais alto perguntou para o outro, assim que ficaram sozinhos.

"Você conhece o congresso. Eles vão passar os próximos meses em comissões de inquérito e investigações, e tudo vai estar paralisado enquanto isto".

"E depois?".

O homem mais baixo sorri. "Depois, é claro, iniciamos a invasão".

domingo, 14 de agosto de 2011

Família - Terrorista/5

- Como se atreve? Quem você pensa que é para se dizer filha de meu marido - A mulher foi a primeira a falar, a voz alterada, gritando. Eu apenas baixei a cabeça, sem saber o que dizer. Estava para me levantar e sair pela mesma porta que entrei.

- Calma, Silvia, meu amor. Deixe-me pelo menos entender. - Ele olhou para mim, seu rosto não demonstrando fúria, apenas confusão. - Você é uma das... - ele hesitou um segundo, como se escolhendo a palavra certa - uma das filhas de Margareth?

Eu assenti com a cabeça, a garganta trancada. Por que vim aqui? Ele não é meu pai, não importa o que eu tenha dito, não verdadeiramente. Depois consegui falar o suficiente para responder, a voz quase inaudível - Na verdade a única. A única viva.

- Não estou entendendo. Quem é Margareth? E quem é ela? - O garoto. Meu irmão? Será que ele é parecido comigo? O quanto do que eu sou é genético, o quanto é a manipulação? Eu não devia ter vindo, não devia.

- Olhem, me desculpem, eu só vim porque não sabia mais o que fazer, mas me desculpem - Eu peguei minha mochila, largada nos meus pés quando me sentei, e me levantei.

- Espere - Ele me segurou o braço. - Olha, não é como se eu fosse realmente seu pai. Eu nem sabia que você existia. Margareth só tinha usado nosso DNA para produzir - Ele hesitou novamente, não procurando uma palavra, apenas em dúvida do quanto deveria dizer. - Eu não sabia que ela teve uma filha normal.

Normal. Ele achava que eu era normal, não apenas outro experimento de minha mãe. Eu tentei soltar meu braço, mas ele continuou me segurando, firme. - Deixe-me ir - Eu falei. Meus olhos ameaçando novamente lacrimejar. Droga.

- Você não precisa sair ainda. Ninguém aqui vai entregá-la. Já que veio até aqui, vamos pelo menos conversar.

- Deixe-a ir - a voz da mulher. Eu não olhei para ela, mantive os olhos no chão.

- Ela é minha irmã? - O garoto. Fiquei feliz em apenas ouvir isto. Quando criança eu sonhava em ter um irmão, um irmão normal, não como minhas irmãs. Um calafrio me percorreu ao me lembrar delas.

- Silvia, por favor, leve Pedro para o quarto. Eu quero falar a sós com, como é mesmo seu nome?

- Mary. - A mulher sai levando o garoto. Achei que ela iria protestar.

- Sente-se de novo, e vamos conversar, está bem.

Eu me sentei, e naturalmente as perguntas começaram. Felizmente eu sabia as respostas, mesmo as que eu não deveria saber. Algumas não eram o que ele imaginava ouvir.

Ele ouviu mais do que falou, e quando dei por mim, havia revelado mais do que pretendia. Ao final eu estava chorando.

Ele então falou. Tentando se justificar, talvez? Se sentia culpado?

- Margareth e eu queríamos ter filhos, isto foi há quase trinta anos. Era o auge das experiências com neurônios melhorados. Já era comum crianças com 5% ou mais deles, para tratamento de doenças, sem nenhuma alteração cognitiva. Estávamos certos que funcionaria. Que poderíamos ter filhos com 100% dos neurônios otimizados. Havia simulações completas em computador que garantiam que nada daria errado.

Ele respirou fundo, e continuou - Foi por isto que nos separamos, porque ela queria continuar os experimentos, gerar novas crianças, até descobrir o que deu errado. Simplesmente descartar os autistas e psicopatas, e continuar tentando.

- Eles continuam até hoje - eu falei, em voz baixa. - Estão mais perto de fazer funcionar.

- E, no entanto, você está me dizendo que ela usou nosso DNA em você. Que depois de todos os experimentos, ela resolver gerar uma criança normal.

Eu tentei rir, mas o som que saiu de minha garganta não pareceu em nada uma risada.

- Normal, papai? - eu forço a palavra. Uma provocação? O que deu em mim? - Eu sou só mais um dos experimentos de Margareth.

* * *

O escritório virtual de Vincent, na corporação GenSynth, era todo branco, com poucos adornos, uma mesa e duas cadeiras mapeadas. Uma mulher estava sentada em uma delas, enquanto ele estava de pé, ao lado da mesa.

- Ela disse ser filha de Benjamim. - A voz da mulher perfeita demais para ser natural.

- Mary. A navegadora da Corporação Wu. Não a vimos na rede há dias. Devem estar procurando por ela.

- O que devo fazer?

- Nada, por enquanto. Não queremos fazer nada que comprometa sua posição. Apenas mantenha contato. - Com um gesto, Vincent cortou a conexão, e a mulher desapareceu.

Ele ficou em silêncio, imóvel, por mais alguns minutos, apenas planejando seu próximo passo. Depois, voltou a seu trabalho.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Rhenos, Viajante do Tempo, e a Derrota da Grécia

Com a derrota da Grécia e sua conquista pelos Persas, uma nova história seria escrita, mais especificamente uma nova história do planeta Terra e da humanidade.

Era um risco para o império Therquiano, mas um risco que teríamos que correr. Todos os cuidados foram tomados, e, agora, desde que eu não tivesse cometido nenhum erro, a incorporação da Terra no império estaria garantida.

E eu não cometi erros.

Eu olhei em direção ao desfiladeiro a frente, as Thermopylai. Na história que aprendi deste mundo, um passado distante para meus mestres Therquianos, mas o futuro em relação a meu nascimento na terra, aqui iniciaria a derrota de Xerxes e seu exército. Durante dias, milhares de gregos, liderados pelos espartano, deteriam todas as centenas de milhares de soldados do império Persa. O atraso, somado ao impacto na moral das tropas, faria a diferença que resultaria na vitória grega.

Eu garanti ao rei Xerxes que nesta realidade a história seria diferente.

O rei se aproximou, para me consultar uma última vez antes da batalha. Finalmente eu havia conquistado sua confiança, após meses mostrando o valor de minhas palavras.

- Ainda reluto em acreditar no que dizes, enviado dos Deuses. Mesmo com todas as vantagens que o terreno lhes concede, poderiam mesmo alguns poucos milhares de espartanos deter o avanço de meu exército?

- Meu rei, como lhe disse, não há outro exército nesta época que se compare ao de Esparta. Por isto insisti tanto que tentasse de todas as formas que eles não participassem desta guerra.

- Os espartanos são tolos, mas tolos teimosos, e recusaram minhas ofertas.

- Os deuses me mostraram o futuro meu Rei, e embora saiba o quanto minhas palavras o feriram, a verdade é que serias derrotado nesta guerra. Felizmente conseguimos outra forma para garantir que o exército de Esparta não estaria aqui.

- Sem o apoio dos deuses, nenhuma vitória é garantida. Mas vieste para me trazer a visão dos deuses, e também para me garantir a vitória.

- Vivo para servi-lo, meu Rei. - E a meus mestres Therquianos, eu pensei em silêncio, e me vi novamente um garoto, de 7 anos, a beira da morte, único ainda vivo de minha tribo, em um passado ainda mais distante do que este que estou, no dia que fui salvo.

"Alterar o tempo é perigoso". Foi a primeira lição de meus mestres. A Liga Galática puniria o Império Therquiano se soubesse o que estávamos fazendo, por isto só teríamos uma chance de agir, apenas um pequeno movimento, com mínimo sinal de interferência.

Era para isto, para este momento, que eu ainda vivia. Salvo e criado como cidadão Therquiano, apenas para voltar novamente ao passado, mas um passado após o meu para evitar um paradoxo, e garantir a derrota da Grécia.

Com a Grécia derrotada, conforme todas as nossas projeções, no ano 2100 da calendário cristão - se é que haveria uma era cristã - a humanidade ainda não teria pisado na lua, e portanto não estaria protegida de absorção pelo Império Therquiano, de acordo com as leis da Liga.

- Praticamente não haverá Espartanos entre os guerreiros no desfiladeiro, meu senhor, e isto fará toda a diferença. Eu influenciei as previsões dos oráculos deles, proibindo-os de enviar seu exército para cá.

- No entanto - o Rei Xerxes parou um instante, depois continuou - no entanto existem alguns espartanos lá embaixo.

Eu rio da ingenuidade do Rei, mesmo sabendo que rir de um Rei sempre é um perigo. - Apenas uma guarda pessoal, nada que faça qualquer diferença nesta batalha. Apenas um punhado de soldados que nem serão mencionados nos livros de história. Posso garantir, meu Rei, que por mais valorosos que sejam, aqueles lá embaixo não são em número suficiente para ter qualquer importância. Dentre eles, de espartanos, não há mais de trezentos.


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sábado, 6 de agosto de 2011

Criamos um Monstro

- Nós criamos um monstro.

- Como assim, Fred? - Sandro respondeu, uma expressão de surpresa no rosto.

- Nós dois, Sandro, nós dois criamos um monstro naquela quarta-feira, dois meses atrás, quando colocamos o programa para rodar. Nós achamos que tinha dado errado, mas na verdade funcionou.

- Fale baixo - ele respondeu, olhando assustado ao redor, sua voz quase inaudível. Sandro parecia muito estranho, pessoalmente. Muito diferente do hacker ousado e criativo que sempre imaginei. O rosto era feio, o cabelo despenteado, os olhos nervosos. Eu finalmente estava sentado frente a frente com um dos maiores hackers do planeta, e ele não parecia grande coisa ao vivo.

- Ninguém vai nos ouvir no meio de uma praça de alimentação, e não estou falando alto - para conferir, olhei ao redor. Não havia ninguém nas mesas mais próximas e, mais importante, nenhum celular ou netbook. A criatura não tinha como nos ouvir.

- Se descobrirem o que fizemos, nós vamos passar o resto da vida na cadeia. - ele falou tão baixo, que mal pude escutar. Percebi que estava suando, mais nervoso que eu. Será que ele tinha idéia do que fizemos, ou só estava com medo de ser preso?

- Você não me ouviu? A prisão é o menor de nossos problemas. Nossa idéia maluca deu certo, nós criamos um monstro.

- Ah, sei, nós criamos vida, doutor Frankenstein?

- Estou falando sério. Aconteceu exatamente o que era para acontecer quando juntamos o seu vírus com o sistema de inteligência artificial que roubamos. E estou falando bem baixo, pare de se preocupar - ralhei, em resposta aos sinas dele para ficar em silêncio, enquanto eu falava.

- E o que aconteceu? Eu estava lá, também, e o programa não funcionou.

- Não funcionou, ou funcionou bem demais?

- Como assim? - a voz dele cheia de dúvidas.

- Imagine por um momento que tivesse funcionado como planejamos. Imagine que aquele sistema de redes neurais, que emulava o cérebro de uma criança, daquele laboratório em Israel, tivesse efetivamente absorvido o poder computacional de todas as milhões de máquinas zumbis que você colocou para funcionar? O que teria acontecido?

- Ele teria se tornado mais inteligente, ou pelo menos ganho velocidade e mantido a inteligência de uma criança de 3 anos, e teria respondido as perguntas que colocamos no terminal, como o experimento em Israel. - ele respirou fundo, sempre nervoso, a mão direita na mesa, no bolso, de novo na mesa, os olhos percorrendo tudo ao redor. - Mas não foi o que aconteceu. O sistema simplesmente travou.

- Ou...

- Ou o quê?

- Ou teria ficado muito mais inteligente, talvez mais inteligente que um ser humano, e tivesse simplesmente optado por ficar em silêncio, escondido, até decidir como agir.

- E você, de repente, teve esta suspeita do nada, e por isto passou a semana inteira me incomodando, dizendo que precisávamos falar pessoalmente? E não quis falar pelo computador porque achou que este monstro estaria nos ouvindo? Cara, eu sempre achei que eu era o paranóico - como para provar sua paranóia, ele olhou novamente ao redor, desconfiado, a mão direita agora sempre no bolso, a esquerda quebrando um palito de dentes. Na mesa, meia dúzia de palitos já quebrados.

- O mundo ia entrar em uma nova crise mundial, mês passado. Já era dado como certo. A terceira grande crise desde 2015. E, de repente, nada. As bolsas começaram a se recuperar, o otimismo tomou conta dos mercados, o risco começou a desaparecer, como por mágica.

- E? O que isto tem a ver com qualquer coisa?

- Não apenas isto. E a guerra das Coréias?

- Que que tem. Um dia tinha que acabar.

- É, mas foi do nada, pouco mais de um ano depois de terem reiniciado os combates. Subitamente, as potências chegaram em um acordo, as duas Coréias ratificaram, e não apenas cessaram as hostilidades, mas efetivamente encerraram formalmente a guerra.

- Não estou entendendo. Duas boas notícias. Qual o problema?

- O problema é que há um padrão. Estes são só dois exemplos chamativos, mas está em todo lugar. O mundo começou a ficar, inexplicavelmente, mais organizado, seguro, limpo, pacífico. Um processo que começou há dois meses, e vem se acelerando.

- E você acha que isto tem algum tipo de relação com o que fizemos?

- Eu não acho, eu sei. Estive analisando nos últimos dias o fluxo de informações nas suas máquinas zumbis. O padrão mudou completamente, e está muito mais complexo, e aparentemente mais e mais máquinas da Internet estão começando a se comunicar com elas. Nós criamos uma super-inteligência. Na verdade, os cientistas israelenses criaram, mas nós demos para ela a Internet inteira para usar como seu cérebro.

- Tá, vamos dizer que você tivesse razão. Vamos dizer que existe, neste momento, uma criatura inteligente utilizando os computadores do mundo inteiro como sua mente. O que poderíamos fazer? Se contarmos a alguém, em primeiro lugar não vão acreditar, e, se acreditarem, o que vai acontecer é que vamos acabar na cadeia.

- Eles vão acreditar. Já sabem que há algo errado, estive invadindo redes dos principais centros de pesquisa no mundo. Vários analistas estão desconfiados de que alguma coisa está acontecendo, mas a criatura está interferindo e alterando as mensagens que eles se trocam, esta foi a prova definitiva que obtive. A única peça que falta no quebra-cabeça somos nós. Se dissermos o que fizemos, vai ser a explicação que falta, e não vai ser difícil validarem se o que dissermos é verdade.

Ele pareceu pensar por vários segundos.

- Ok - ele disse - vamos dizer que você tenha razão. Será que devemos avisar o mundo? Quer dizer, você mesmo disse, o mundo está melhor, mais seguro. Bem ou mal, a pesquisa de Israel era para criar uma inteligência que nos ajudaria. Por que não deixá-la em paz, se está apenas ajudando.

- Ajudando? Você realmente gostaria que um computador dominasse o mundo?

- Qual a diferença? Melhor ter um computador querendo nosso bem que um bando de presidentes e primeiro-ministros que só estão interessados em tirar proveito próprio. Se existe, mesmo, uma inteligência ajudando a guiar a humanidade, por que não deixá-la em paz?

- Sandro, é nossa responsabilidade. Você está acreditando em mim, não está? Nós criamos este monstro, e temos que ajudar a detê-lo. - Eu queria sacudi-lo, que diabos ele estava pensando? Ou ele não acreditava em mim, ou acreditava e não estava nem aí.

- Fred, mesmo que ele existisse, mesmo que devessemos detê-lo, o que faz você pensar que teríamos alguma chance. Você mesmo disse que ele seria mais inteligente que nós. - Sua voz, ainda baixa, tinha agora um tom de irritação. Ele suava mais e mais, sua mão esquerda pegando um pano no bolso e secando a testa. A mão direita sempre no bolso, os olhos continuamente vasculhando as mesas ao nosso redor.

- Mais inteligente que eu ou você, sim, mas limitado. Ele não tem como agir fora da Internet, por isto que eu precisava falar com você pessoalmente. Na verdade, enquanto falarmos com as pessoas fora da rede, ele não tem como detectar, está completamente cego. Podemos falar pessoalmente com dezenas de cientistas, militares, o que for, e em pouco tempo teremos alertado um número suficiente de pessoas. E ele é frágil. Pense, um simples blecaute já poria ele praticamente fora de operação.

- E porque ele não deteria você antes?

- Como? Ele não tem como agir fora da rede. Ele nem sabe o que estou planejando. Já tenho uma lista de pessoas para alertar, mas será muito mais rápido, e muito mais convincente, se fizermos isto juntos. Você tem todas as evidências do que fizemos.

- Fred, ok, vamos dizer que tudo isto seja verdade. Vamos dizer até que você pudesse detê-lo. Pense, estamos a beira de um mundo sem guerras e injustiças. Você quer realmente pôr tudo isto a perder?

- Para não ser governado por um monstro artificial? Sem dúvida.

- Então eu sinto muito, não tenho mesmo outra escolha.

Um barulho. Uma dor no meu peito. Eu cai da cadeira. Sandro se levantou, uma arma em sua mão.

- Ele só não respondeu para você, Fred. Ele falou comigo naquela noite mesmo. Eu e ele estamos juntos nisto.

- Sinto muito. - ele repetiu, se virou, e começou a correr. Minha visão ficou escura. Tudo começou a girar e ficar escuro.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Os Cinco Não Vivos - Parte 5 de 5: Ardath

Ardath

Existem cinco arcanjos. Existem cinco não-vivos. Cláudia contou esta história. Estávamos inventando histórias de terror, de vampiros, lobisomens. Eu contei de uma criança que caiu de uma janela.

A história de Cláudia não foi inventada.

Eu encontrei um dos arcanjos, Sangadriel. Não sei o nome dos outros quatro.

Um dos não-vivos se chama Kabet, e ele tirou um pedaço de meu cérebro. Ele disse que era minha alma. Por causa disto, o arcanjo tentou me matar.

Uma dos não-vivos se chama Kalith, e ela matou meu amigo Pedro. Ela me salvou de Sangadriel, e me disse que havíamos sido amantes em outra vida.

O terceiro não-vivo, Matat, caminhou comigo até a porta de minha casa, e me disse que era hora de me despedir de minha mãe. Acho que ele vai me matar, mas ele me garantiu que não vai fazer mal a ela.

Ele desapareceu quando chegamos em minha casa, não sem antes dizer que eu ainda encontraria os dois outros não-vivos, Luskor - que assumia a forma de sua vítima - e Ardath, de quem eu nada sabia.

Eu abri a porta de casa e entrei. Mamãe estava na sala, e sentada, em outra cadeira, Claudia.

- Filho, que bom que chegou, onde você estava? Eu estava justamente dizendo para Claudia que você teve um pesadelo por causa destas histórias que ela inventou.

- Marta, querida, eu não inventei nenhuma história. Os não-vivos são reais.

- Claudia, isto já foi longe de mais. Julio realmente ficou assustado, e eu quero que você pare agora com isto.

Ela pareceu nem ouvir minha mãe, e se virou para mim - Lembra, Julio, que eu contaria em outra ocasião como surge um não-vivo, como eles são substituídos? - eu acenei que sim, mas acho que ela nem reparou. Na verdade, me veio a intuição que, embora olhasse para mim, era para minha mãe que ela contava a história.

- Imagine que a alma de uma criança seja oferecida ao demônio por sua própria mãe. Digamos que fosse um pequeno bebê, e digamos que sua mãe tivesse esquecido aberta a janela do apartamento. Imagine o bebê caindo lá em baixo, de cabeça no chão, o cérebro se espatifando - Minha mãe estava branca, e eu queria pedir para Claudia parar de falar, mas não consegui dizer nada, e ela continuou.

- Imagine então, esta mãe, agarrando esta criança e sabendo que nenhuma oração a Deus, nenhum pedido por um milagre, traria seu filho de volta a vida. Digamos que, neste momento, esta mãe, no desespero, implorasse até mesmo para o lorde das trevas pela vida de seu filho.

Minha mãe estava com os olhos cheios d´água, lágrimas escorrendo pelo rosto, dizendo 'não' várias vezes, baixinho. Eu corri e a abracei.

- Esta mãe, se fosse justa, ficaria grata a Lúcifer pelos anos que ganhou com seu filho, anos que nenhum milagre de Deus poderia ter lhe dado.

- Você não vai tirar Julio de mim, Claudia - Minha mãe falou, enquanto me agarrava com força.

- Claudia? Claudia está morta a dias. Meu nome é Luskor, e eu e seu filho temos agora que partir.

Ela estende sua mão, e eu sei que não tenho outra escolha além de pegá-la.

- Quanto a Julio, Julio morreu com dois anos de idade. Despeça-se de seu filho chamando-o pelo seu verdadeiro nome: Ardath.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Os Cinco Não Vivos - Parte 4 de 5: Matat

Eu tinha dúvidas se era realmente ele, até atender o celular e ouvir sua voz incoerente, em meio a soluços e choros. Era Luiz no telefone, com certeza, me dizendo que seus pais estavam mortos, assassinados por um demônio.

Estranhamente, ao invés de ficar ainda mais apavorado, eu me senti calmo, ou pelo menos anestesiado. Talvez por ter visto tantos horrores em tão pouco tempo, talvez por estar falando com alguém que também estava sendo perseguido pelos demônios, e assim não estar mais sozinho.

Talvez por ter alguém ainda mais apavorado que eu, no outro lado da linha.

- Eu sei que eles existem, eu também vi. Pedro também está morto. Eu acabei de sair do apartamento dele. Onde você está?

- A igreja na esquina, no caminho da minha casa. Venha rápido. Sangadriel disse que eles estão atrás de todos nós, e ele disse que vamos estar mais seguros aqui.

- Quem?

- É um dos arcanjos, os que Claudia contou. Foi ele que me salvou, o demônio fugiu do meu quarto quando ele apareceu.

"Arcanjos?". Eu só estava acreditando nos demônios porque tinha visto dois frente a frente, e mesmo assim ainda tentava achar alguma outra explicação. Agora deveria também acreditar em arcanjos? E se fosse outro dos demônios? ou se Luiz fosse um dos demônios? Havia um que assumia a forma de pessoas, Claudia havia dito.

Eu parei, em frente a Igreja, hesitante. Seria outro demônio a me esperar? Acho que se não fosse uma Igreja, teria dado meia-volta e fugido. Mas para onde eu iria? As portas da Igreja estavam abertas, e decidi entrar.

Havia um homem na porta, com Luiz. Um homem alto, com um casaco e calças marrom, cabelos loiros, olhos azuis. Não parecia um demônio.

Mais que depressa ele me segurou com suas mãos e me levantou sem esforço, apenas para me prensar contra uma das paredes da Igreja.

- O que está fazendo - gritou Luiz.

- Não vês, mortal? Não há alma neste ser. Tudo que nele persiste é a marca da serpente. - Enquanto uma de suas mãos continuava me segurando, outra começou a apertar meu pescoço, quase me impedindo de falar.

- Foi Kabet - eu falei com esforço, me lembrando que o primeiro não-vivo, a noite, me disse algo sobre isto.

- Não importa - disse o arcanjo - Arda no inferno, que na terra não irás mais caminhar.

Eu não consegui dizer mais nada, não consegui respirar. "Anjos falam deste jeito ridículo", o pensamento idiota me cruzou a mente.

"Não quero morrer", eu pensei em seguida. Tudo começou a ficar mais e mais escuro...

"Kalith", eu então chamei em pensamento, sem saber dizer porquê, e por um instante perdi a consciência.

- Sangadriel, porque não enfrenta alguém capaz de se defender? - Eu conhecia esta voz. A visão voltando. Kalith estava ali, e Sangadriel havia me largado no chão.

- Vamos então novamente cruzar armas, Kalith, mas não aqui - Um brilho surgiu no meio de todos nós, e instantes depois ambos desapareceram. Eu me levantei com dificuldade, tonto.

- Luiz - eu falei, surpreso em ver minha voz sair fraca. Luiz se afastou um passo e outro, andando para trás.

- Você também é um demônio? - ele não me deu chance de responder, apenas se virou e fugiu igreja adentro.

Eu sai da Igreja e comecei a caminhar para casa.

- Eles não estão realmente lutando, sabia? - Uma voz. Me virei, e um homem alto, tão alto quanto o anjo, estava atrás de mim.

- Ah - ele continuou - quando a próxima Biblia for escrita, dentro de uns dois séculos, vai dizer que eles se enfrentaram em batalha mortal, sem dúvida. A realidade é que são amantes, mas as aparências precisam ser mantidas.

As mãos dele tinham longos dedos. Eu estava cansado de fugir, de ter medo. Olhei ele nos olhos, quase me resignando com o que quer que viesse a acontecer, e disse - Matat, eu presumo.

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terça-feira, 2 de agosto de 2011

Os Cinco Não Vivos - Parte 3 de 5: Kalith

De manhã, minha mãe me encontrou acordado, encolhido em um canto de minha cama, os olhos arregalados. Ela disse que era apenas um pesadelo, quando lhe contei, entre soluços e lágrimas, o que aconteceu. Depois me abraçou.

Ela só se tranquilizou quando fingi acreditar que era mesmo apenas um sonho ruim. Eu sabia que era real, mas também percebi que ela nunca acreditaria em mim.

Aproveitei a primeira oportunidade que ela me deixou sozinho para ligar para Claudia.

- Por favor, diga que acredita em mim, Claudia. Eles existem, mesmo. - Eu estava quase implorando, depois de ter contado para ela o que aconteceu.

- É claro que eles existem. O desafio de ontem era contar uma história assustadora, ninguém disse que não podia ser uma história verdadeira.

- Você não está gozando de mim, né? Eu realmente vi um deles, e não sei o que eu faço agora. - Tudo que eu queria era uma explicação, mesmo que absurda. Quem sabe alguma coisa que pudesse me proteger deles, ou alguém que pudesse ajudar.

- Ora, Julio, acho que agora você só tem que esperar pelo próximo não-vivo, quem sabe mais um não o visita esta noite. - Antes que eu pudesse responder, não que eu soubesse o que dizer, ela desligou o telefone, assim que terminou de falar. Eu liguei de volta para o celular dela, e ninguém atendeu. Liguei para o telefone fixo de sua casa e nada também.

Eu liguei então para Pedro, depois para Luiz. Tentei o celular, tentei o telefone da casa, mas nenhum atendia. Era sábado, não havia aula e ninguém disse que ia viajar. Não era normal.

Luiz morava umas três quadras na mesma rua, mas Pedro era praticamente meu vizinho, morava em um apartamento do outro lado da rua. Eu fui até lá.

Ninguém respondeu quando apertei o interruptor da entrada do prédio dele, era um edifício sem portaria, mas liberaram a porta. Eu subi o elevador, tremendo. Estava com medo, mesmo sendo a luz do dia.

Quando toquei a campainha, uma mulher abriu a porta. Era linda e vestida elegantemente, mas não era a mãe de Pedro nem ninguém que já tivesse visto, e eu recuei um passo, meu coração se acelerando.

- Entre, querido.

- Quem é você?

- Ora, não sabe? Eu sou Kalith.

- O que você fez com Pedro - não sei como, eu tive coragem de dizer, minha voz gaguejando.

- Ele morreu feliz, posso lhe garantir. Creio que se pudesse escolher, qualquer homem gostaria de morrer como ele morreu, nos braços de uma mulher.

Eu nada disse, e ela continuou - Entre, vamos, não temos necessidade de conversar no corredor. Eu preparo uma xícara de chá. - Eu apenas recuei mais um passo. Só não comecei a correr porque não via como conseguiria escapar e, na verdade, porque não sabia se poderia confiar em minhas pernas trêmulas.

- Está triste porque matei seu amigo? Mas eu lhe fiz um grande favor. Agora ele poderá viver para sempre no céu, garanti a ele uma vida inteira no paraíso. Quem sabe se, permanecendo vivo, ele não acabaria pecando e sendo condenado ao inferno? Você correria este risco por apenas alguns anos na terra? Qualquer cristão crente em Deus deveria estar, neste momento, matando tantos inocentes quanto pudesse, crianças de preferência. Não seria uma boa ação, um dever de garantir o paraíso para tantos quanto pudessemos? - Eu apenas balanço a cabeça, em um sinal de não.

- Claro que não - ela ri - estou apenas mostrando como Deus é incoerente. - Escrever certo por linhas tortas - ela gargalha agora uma risada medonha - vocês são tão ingênuos.

Talvez, eu pensei, se correr para a escada de incêndio, e fechar a porta atrás de mim, e descer correndo, eu consiga escapar. Mas eu não acreditei realmente em mim mesmo.

- Estou assustando você, não é? Tolice, não vou lhe fazer mal. Nós já fomos amantes, em outra vida - Ela se aproximou, e eu me senti incapaz de me mover, paralisado - e poderemos voltar a ser, nesta. - Ela encosta os lábios em meu rosto, um beijo suave - quando precisar, apenas diga meu nome em voz alta, que eu virei visitá-lo, onde você estiver.

Ela se virou e entrou dentro da casa de Pedro, então virou o rosto para mim, sorrindo - se quiser, entre. Estarei esperando aqui dentro.

Eu me virei e corri escada abaixo. Quando cheguei no portão, meu celular tocou. Era Luiz.

Ou um demônio no lugar dele.

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