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FICÇÃO CIENTÍFICA  -  FANTASIA  -  TERROR.


quinta-feira, 28 de março de 2013

Linguagem de Máquina 6/8


   Vanessa se contorcia em convulsões no chão, ao lado da mesa.
   Rubens não sabia o que fazer, e primeiro afastou as cadeiras, depois tentou segurá-la pelos braços.
   - O que está acontecendo? Vanessa? - era óbvio que ela não estava escutando ou reagindo. Primeiro ele tentou imobilizá-la, talvez por um minuto ou dois, mas parecia só piorar as coisas, e ele ficou com medo de machucá-la. Rubens se lembrava de ter visto em algum lugar que se colocava uma colher na boca de pessoas em convulsão para não engolirem a língua. Ele chegou a soltá-la e pegar uma colher na mesa, mas quando se abaixou novamente, as convulsões haviam parado.
   - Vanessa? - ela olhou para ele e começou a se afastar, no chão mesmo, se arrastando de costas. Os olhos estavam arregalados. A boca se abriu, como se fosse gritar, mas ela não emitiu nenhum som.
   - Vanessa? - ele repetiu - o que houve? você está bem?
   Vanessa fechou os olhos, e então soltou um suspiro. Parecia que seu corpo começava a relaxar. Então abriu os olhos e se levantou. Ela caminhou lentamente até a mesa e pegou um prato na mão.
   - Você está melhor? O que aconteceu? - por um momento, Rubens ficou com receio que ela iria voltar a simplesmente ignorar suas perguntas, como nos primeiros dias, mas desta vez ela respondeu com seu eterno sorriso.
   - Não houve nada. Por quê?
   - Você teve uma convulsão. Agora mesmo - Rubens apontou para as cadeiras jogadas pelo chão.
   - Não lembro - ela hesitou, e baixou a cabeça, a voz quase num murmúrio - eu sou epilética. Desculpe se assustei você.
   Vanessa não falou mais nada, e começou a recolher os pratos da mesa. Rubens sabia que quando estava trabalhando, ela praticamente não respondia suas perguntas, na verdade parecia nem perceber sua presença.
   Rubens decidiu ficar por perto, para ter certeza que ela não ia ter uma nova convulsão. Normalmente ele a deixava sozinha e ia para o escritório acessar a Internet ou trabalhar, mas desta vez resolveu ficar na sala, observando-a.
   Depois de recolher toda a mesa, e lavar a louça, ela foi até a sala, sem prestar atenção nele, sentou em um sofá, e ligou a televisão.
   Ele a seguiu, e tentou começar uma conversa por duas ou três vezes, mas ela não respondia, como nos primeiros dias dela na casa. Para testar, ele pediu um refrigerante, e ela imediatamente respondeu sorrindo - claro, já estou trazendo - e se levantou para pegar para ele.
   Enquanto ela assistia a programação, ele se conectou na Internet.  Alguma coisa não estava encaixando - mais uma peça de um quebra-cabeça que parecia a cada dia mais confuso - e ele queria confirmar o que já sabia: pessoas com epilepsia não recebiam implantes neurais, pelo menos não implantes padrão. Se recebessem algum implante, seria um equipamento médico, não o mesmo tipo que eles dois usavam.
   Ele só levou alguns segundos para chegar em uma página sobre epilepsia, a mesma que ele já havia lido uns dois anos antes, por acaso, enquanto navegava. Ao contrário do que ele lembrava, a página não falava nada sobre restrições aos implantes neurais.
   Só para confirmar, ele verificou a data e registro das modificações da página, depois visitou páginas sobre implantes neurais. Nenhuma mencionava epilepsia como restrição a implantes.
   - Eu me enganei - ele falou em voz alta, para si mesmo - podia jurar que pacientes epiléticos não podiam usar implantes.
   Mas não foi para si mesmo que Rubens falou, foi para quem o estava vigiando.
   Ele não estava enganado, ele lembrava muito bem de ter visitado algumas daquelas páginas antes.
   A Internet que ele estava vendo estava sendo manipulada.

domingo, 24 de março de 2013

Apenas nós dois

  - Feche a janela, feche a janela!
   Mana desceu correndo as escadas e entrou na sala de jantar da nossa casa. Como sempre, nas noites de tempestade, ela estava chorando, com medo. Queria poder fazer alguma coisa, mas era sempre assim, e agora parecia que todas as noites eram noites de tempestade. Será que nunca mais iria melhorar o tempo, sempre uma tempestade para assustar mana?
   - Calma, mana, está tudo bem. Não precisa ter medo.
   - Não está bem - ela berrava - não está nada bem. Papai disse que ia vir e não veio. E agora começou uma tempestade. E está chovendo dentro do meu quarto. E está tudo escuro lá fora. E eu estou com medo - e ela gritou mais alto ainda - e papai não veio!
   Eu segurei mana pela mão, e subimos até seu quarto. A janela estava aberta, como sempre. O vento estava revirando tudo, a porta escancarada. Não era só água, tinha areia, terra, cinzas, tudo sendo carregado para dentro do quarto pela tempestade.
   - Olha, mana, eu vou fechar a janela, está bem? Eu fecho a janela e vai ficar tudo bem. Entendeu? A tempestade não vai entrar, não vai fazer mal nenhum para a gente, certo? Vai ficar tudo bem - eu menti para ela. Que mais eu podia fazer? Pelo menos, ela se acalmou um pouco.
   Eu fechei a janela e o barulho diminuiu, o vento dentro de casa parou. Mas a casa inteira parecia balançar. As janelas batiam e batiam, prestes a arrebentar a cada rajada mais forte. Na verdade já arrebentaram há muito tempo, mas não importava.
   - Brigada mano. Eu estava com medo. Ainda estou. Quando o pai vem?
   - Ele já está chegando, mana, já tá quase chegando - eu menti de novo. Era só o que eu fazia, mentir para mana e tentar que ela não ficasse muito assustada. Era só por isto que eu estava aqui, para cuidar da mana.
   - Vamos ver a tevê, mano? Quem sabe o pai aparece na tevê? - tinha dias que ela não via tevê, que eu conseguia ler historias para ela, mas eram cada vez mais raros. Era tevê, tevê, tevê, e eu sabia que ela ficava só mais assustada depois.
   - Mana, me deixa ler um livro para você, está bem? Eu leio Judy Moody, aquele que você gosta, que ela quer ficar famosa.
   - Eu quero ver tevê! - ela gritou, e desceu correndo as escadas. Não tinha muito que eu podia fazer, não tinha como impedir, só podia ficar ao seu lado e tentar que ela não ficasse ainda mais nervosa.
   Quando entrei na sala ela já estava no sofá, sentada, assistindo a tevê com os olhos vidrados. Já não tinha eletricidade há muito tempo, mas não importava, a tevê sempre passava a mesma coisa. Era sempre o mesmo cara falando, a imagem tremida, a câmera balançando.
   - Não saiam de suas casas. Fiquem onde estão e aguardem novas orientações. Tranquem portas e janelas. Evitem a chuva, evitem contato com partículas radioativas. Repetindo, não saiam de suas casas.
   - Mano, eu estou com medo. A guerra começou, não começou?
   - Sim, mana, a guerra começou.
   - Mas o pai é piloto. Eles não vão deixá-lo voltar para casa - e ela começou a berrar de novo - eu quero o pai.
   - Calma mana, o papai tá vindo. A gente só tem que esperar, o pai tá vindo.
   Mana subiu correndo a escada, de volta para seu quarto. A tevê ainda mostrou por alguns segundos a imagem do cogumelo no fundo de onde o cara falava, depois só estática. Depois, quando mana já tinha sumido da vista, além da escada, a tevê ficou apagada, toda quebrada e meio afundada no meio do pó que foi se acumulando ao longo dos anos.
   Eu subi correndo a escada, mas mana já vinha descendo, chorando, recomeçando todo o ciclo.
   - Feche a janela, feche a janela!
   O vento já estava entrando em seu quarto de novo, o pó sendo jogado para fora da porta, as janelas, há muito destruídas, incapazes de deter o vento.
   Eu abracei mana, tentando acalmá-la, garantindo que papai já ia chegar, mesmo sabendo que era mentira. Papai nunca voltou. Ninguém nunca voltou.
   Para sempre, estávamos sozinhos com a tempestade, eu e a mana. Apenas nós dois.
   Apenas dois fantasmas.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Linguagem de Máquina 5/8

   Rubens estava há três dias parado em um mesmo problema, e não tinha a menor ideia do que era, só sabia que havia algo de errado. Nos últimos dias, seu trabalho havia se tornado imensamente mais sofisticado, e ele já não conseguia entender exatamente tudo que estava fazendo, só tinha uma percepção que algumas partes não estavam se encaixando mais. Era quase mais um trabalho artístico que um programa, como se estivesse pintando um quadro e faltasse corrigir algum detalhe. O problema é que ele estava pintando um quadro sem enxergar, e foi o que falou.
   - Há algum erro aqui, pelo menos eu sinto que alguma coisa está errada, mas eu não tenho como resolver sem saber exatamente o que estou desenvolvendo.
   A resposta, como sempre, veio de imediato - seu trabalho é identificar e corrigir os erros nas partes do sistema que lhe forem repassadas. Entender o todo é irrelevante.
   - Bom, então vão ter que resolver sem mim, ou vamos apostar que na verdade não existe nada de errado. Me passem algum outro problema e deixem este de lado - Era quase um blefe, ele tinha quase certeza que eventualmente ia conseguir resolver, mas estava cansado de tantos segredos, era como trabalhar de mãos atadas.
   - Você está correto, existe um problema, e é em um ponto crítico do sistema. Estamos esperando que você resolva para podermos avançar no desenvolvimento.
    - Olha, é óbvio que vocês têm pelo menos uma dúzia de programadores trabalhando nisto, e duvido que eles não saibam o que está sendo desenvolvido. Sinceramente, eu nem sei porque vocês precisam de mim, contratar alguém para fazer meu trabalho certamente é mais barato que tudo que vocês estão fazendo aqui, não que eu não seja grato por terem me livrado da prisão.
   - Você está equivocado, não há muitos que poderiam fazer o que você está fazendo. Precisamos que você resolva o problema atual.
   "Bom, então estou com algum poder de barganha agora", Rubens pensou.
   - Então eu preciso poder ver o que está errado. Eu só tenho a sensação de que as coisas não estão encaixando como deveriam, mas não tenho ideia do que está errado - Pela primeira vez pareceu haver uma hesitação antes da resposta vir. Será que a misteriosa voz estaria consultando algum superior?
   - Nós teremos que avaliar esta questão.
   - Ouça - Rubens respondeu, decidido a usar sua última carta - já deu para eu descobrir um pouco do que vocês estão fazendo. Era óbvio que em algum lugar estava por trás um sistema massivamente concorrente, e que é capaz de aprender ao longo do tempo. Vocês estão construindo uma rede neural, e desenvolveram alguma nova técnica de programar nela. Certamente, vocês também tem algum tipo de simulador, para ver o programa funcionando. Eu preciso ter acesso a este simulador, para testar o que estou fazendo.
   - Você terá acesso ao simulador. Amanhã estaremos liberando novas ferramentas que permitirão que você acompanhe os resultados de seu desenvolvimento.
   - Obrigado - Rubens agradeceu, mas ninguém mais lhe respondeu. Claro que seria ótimo poder simular o que quer que ele estivesse desenvolvendo, mas igualmente importante é que agora ele poderia ter uma ideia do que estava ajudando a criar. A última coisa que ele gostaria, fosse o governo americano ou não, era participar novamente de uma catástrofe como o roubo da ogiva nuclear.
   Avançando um importante passo em um mistério, ele chegou a conclusão que era seu dia de sorte, e resolveu atacar uma outra questão que o incomodava na mesma medida: Vanessa.
    Ele já havia descartado uma série de hipóteses, a começar por ela ter algum problema mental. Ele confirmou que ela tinha um implante neural subcutâneo como o dele, embora nunca a visse usando um computador. Pessoas com problemas mentais sérios eram proibidas de usar tais implantes. Isto também indicava que ela devia ser uma jovem de classe média, pelo menos, já que estes implantes não eram baratos.
   Restava a hipótese dela ser simplesmente uma garota de programa, mas isto não explicava a sensação que ele tinha que ela nunca falava com naturalidade, muitas vezes ficando simplesmente em silêncio, ao invés de responder suas perguntas. Ele estava cansando disto, estava começando realmente a gostar dela, por mais estranha que fosse, e estava na hora de saber pelo menos alguma coisa a seu respeito.
   - Vanessa - ele falou, em um tom normal de conversação, enquanto comiam o jantar que ela havia preparado. Havia decidido que era o melhor momento para tentar com mais insistência obter alguma informação - fale-me um pouco dos seus pais.
   - Não quero falar sobre isto. Vamos mudar de assunto - nos primeiros dias, ela simplesmente ficava em silêncio quando ele tocava neste assunto. Agora, pelo menos, ela respondia.
   - Estamos há dias só nos dois aqui. Eu quero saber um pouco mais sobre você. Me fale sobre sua mãe, como ela é?
   - Não quero falar sobre isto. Vamos mudar de assunto.
   - Eu insisto. Me diga pelo menos alguma coisa sobre seus pais.
   Vanessa repetiu a mesma frase de novo, e Rubens insistiu. Os olhos dela estavam bem abertos, anormalmente abertos, e ela se levantou da mesa e começou a repetir sem parar as mesmas duas frases, olhando para ele e gritando, a primeira vez que ele a havia ouvido gritar.
   Então, Vanessa caiu no chão e começou a ter uma convulsão.

terça-feira, 19 de março de 2013

Alien a Bordo - Revisão 1

   Hesitantes, eles entraram na principal sala de reuniões da nave, vindos em grupos de dois ou três. Alguns ainda lentos, recém-despertos, surpresos pela convocação durante seu turno de sono.  Em todos, visível uma curiosidade que só aumentou quando as portas se fecharam. Ava as trancou quando o último tripulante chegou para a reunião, e tinha ordens para abrir somente quando tudo estivesse resolvido.
   - Um de nós é um espião – eu falei, sem dar tempo para que todos se acomodassem, minha voz alta apenas o suficiente para ser ouvida acima do ruído das conversas, que, de súbito, cessaram. Segundos de silêncio se seguiram, e eu nada falei, observando a reação dos presentes. Todos atônitos, a revelação pesando no ar.
   Alguém teria que quebrar o silêncio, e, uma vez que eu optei pelo silêncio, o papel coube naturalmente a Olf, o mais velho entre nós, sua idade conferindo um respaldo que nada tinham a ver com a hierarquia formal. Ele era o mais velho, e o que ele dissesse seria ouvido por todos a bordo. Uma pena que, como sempre, nada de útil ele tivesse a dizer.
   - Isto é impossível, Ralph.  Nossa missão é contra o flagelo, é impossível haver um traidor entre nós – eu ri por dentro. Impossível, de fato, eu repeti para mim mesmo as palavras de Olf, em irônico silêncio.  Mas minha voz foi séria quando respondi.
   - Impossível? Sim, deveria ser impossível, nós mal conseguimos nos comunicar com o inimigo, ele recusa qualquer contato. No entanto, um de nós é efetivamente um traidor, Olf. Pior. Um traidor a serviço do flagelo. E nós temos que descobrir quem ele é. Do contrário, teremos que abortar nossa missão.
   - Como você pode ter certeza disso, Ralph.
   - Ava tem a prova, Olf. Ava, relate para todos o que acabou de me contar.
   - Pois não, Ralph - a voz sintética do computador central da nave indistinguível de uma voz natural - A confirmação veio na última transmissão que recebemos, e devo dizer que, com base nos fatos transmitidos, concordo com as conclusões do comando central. Há, com altíssimo grau de probabilidade, um espião nesta nave.
   - Com todo respeito a você e seus colegas do comando, Ava, não seria a primeira vez que um sintético chega a conclusões totalmente falsas – desta vez, quem tomou a palavra foi Margô, nossa analista chefe, certamente a mais ponderada e lógica de toda a tripulação. Curioso que justamente ela tivesse as maiores ressalvas a tudo que envolvia inteligências artificiais - É por isto que orgânicos seguem sendo responsáveis pelas decisões estratégicas de alto nível.
   - Estou ciente de nossas limitações, Margô, e o percentual de erro de nossos resultados é, atualmente, incluído em toda análise estatística que fazemos. Entretanto, as conclusões já foram validadas pelo alto comando, que, como você sabe, é exclusivo de orgânicos - a voz de Ava continha um leve traço de reprovação no final da frase. Há anos, sintéticos vinham questionando a ausência de computadores na cúpula do comando central, alegando ser um ultrapassado preconceito.
   - Sugiro que deixem Ava concluir seu relato - eu intervi, visando assegurar que nos concentrássemos na única questão realmente importante em jogo.
   - Obrigado Ralph. Para contextualizar melhor nossas conclusões, primeiro apresentarei um breve relato de nossa situação atual.
   Eu mal prestei atenção, enquanto Ava relatava, de forma muito resumida, os acontecimentos das últimas quatro décadas. Obviamente desnecessário, mas sintéticos parecem sempre duvidar da nossa capacidade de reter informações. Ela rapidamente passou pelos primeiros contatos com os alienígenas, pela destruição dos mundos coloniais, pelas tentativas de comunicação, enquanto ainda se acreditava que poderia ser tudo um mal entendido, até a mobilização para a guerra e as primeiras batalhas no espaço.
   - Nos últimos dez anos - Ava continuou - embora tenhamos, em grande parte, detido o avanço alienígena, percebemos que eles pareciam antecipar nossos movimentos, em um grau que não poderia ser facilmente explicado pela sorte, ou mesmo por um adversário com inteligência superior a nossa. Inevitavelmente, nós, sintéticos, chegamos à conclusão que a única explicação racional era a presença de espiões entre nosso povo.
   - E o alto comando concordou com esta conclusão? – Margô interrompeu novamente, mantendo seu ceticismo.
   - Na verdade, inicialmente não. Pela ausência de sintéticos, como pontuei antes, Margô, o alto comando sofre das mesmas fragilidades de inteligências puramente biológicas. Como sabemos, orgânicos têm dificuldade em aceitar conclusões sem evidências diretas. Estas evidências foram finalmente obtidas.
   - E quais são elas, Ava? - Olf, novamente.
   - Pouco depois de iniciarmos nossa viagem, uma mensagem codificada foi enviada para esta nave. Foi por puro acaso que detectei a comunicação, mas não consegui identificar sua origem nem seu conteúdo. Porém, temos próximo de 100% de certeza que foi enviada pelos alienígenas. A conclusão lógica é que há alguém nesta nave que recebeu esta mensagem, alguém que está em comunicação com o flagelo.
   - E, senhores - eu interrompi - não sabemos quem recebeu, não sabemos suas intenções, e não sabemos o conteúdo da mensagem. Mas, como comandante da nave, eu não tenho outra escolha além de abortar a missão, a menos que descubramos, aqui e agora, quem de nós é um traidor.
 * * *
   Foram horas e horas de discussões, de teorias sendo formuladas, apenas para serem em seguida descartadas. Com o tempo, a desconfiança foi aumentando, junto com o cansaço e a irritação.
   Algumas revelações surgiram.
   Even participou dos protestos estudantis de 2315, esteve presa, mudou o nome, recebeu uma permissão especial do governo para começar uma nova vida.
   Laos participou de uma seita ilegal que defendia a rendição para os alienígenas, por acreditar serem eles seres superiores. Ele foi um forte suspeito de ser o traidor. Até que revelou o que o fez sair da seita e se alistar. Sua irmã morava em Colônia 7, o mundo que os aliens transformaram em um inferno radioativo. Ninguém mais questionou sua lealdade.
  Foi a suspeita de Margô que atingiu a todos de forma mais impactante.
   - Eu sei quem é o único aqui que pode ser o traidor - ela disse.
   Nós olhamos para ela, curiosos. Sua pausa obviamente para gerar mais impacto na revelação.
   - Ava. O único traidor possível é Ava.
   - Margô - Ava respondeu de imediato - eu sei que você tem restrições aos sintéticos, mas esta hipótese não faz sentido.
   Foi a mais longa das discussões. Por um lado, não víamos como os alienígenas poderiam ter alterado Ava. Boa parte de sua personalidade era fixa, codificada diretamente em hardware, portanto não sujeita a manipulação. Por outro lado, todas as alternativas também não pareciam fazer sentido.
   Por fim, a discussão se encerrou com base no argumento mais importante de todos. Se os alienígenas estivessem controlando os sintéticos, então a guerra já estava virtualmente perdida. Na verdade, se Ava assim desejasse, não teríamos sequer sabido da suspeita de haver um espião na nave.
   - Ava, Olf, estou propondo abortar a missão e retornarmos. Preciso da concordância de vocês dois. Não podemos seguir adiante com o risco de um espião na nave. Deixaremos para o alto comando a tarefa de continuar esta investigação.
   Mais alguns minutos se seguiram, de discussões adicionais, últimas ideias, mas, por fim, houve a concordância. A missão seria abortada. Ava abriu a porta para sairmos.
   Em minha cabine, eu olhei para meus braços e os pequenos tentáculos verdes na ponta de cada um. Pensei na mensagem - impeça a nave de chegar a seu destino, não importa como - e agradeci por ter conseguido cumprir meu objetivo sem a morte de nenhum dos seres que aprendi a respeitar.
   "Algum dia voltarei para meu corpo? algum dia serei humano novamente?" eu falei em silêncio comigo mesmo, e me perguntei uma vez mais quando terminaria minha missão.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Linguagem de Máquina 4/8


   Ao longo dos dias seguintes, uma nova rotina se estabeleceu. Uma rotina com alguns aspectos positivos em relação às primeiras semanas preso na casa, Rubens admitia para si mesmo. Vanessa estava sempre pronta para atender a todas as suas vontades. “Estar ali para servi-lo” parecia ser algo que ela tomava ao pé da letra. Mas também o deixava incomodado não saber praticamente nada sobre ela. Sua teoria atual era que ela era uma garota de programa, e ele estava tentando se manter emocionalmente afastado, mas não era fácil, especialmente sendo a única pessoa que ele tinha para conversar. Ela até tinha começado a falar de uma forma mais normal, nos últimos dias.
   Não conseguindo nenhum avanço em um dos seus mistérios, Rubens resolveu se concentrar nos outros. O que ele estava ajudando a desenvolver e quem era seu misterioso empregador.
   A segunda questão ele pensava saber a resposta. Primeiro imaginara que estava trabalhando para um grupo terrorista, talvez o mesmo que havia detonado a bomba – um pensamento que o deixara horrorizado nos primeiros dias – ou para um grupo empresarial, mas já abandonara estas ideias. O tipo de ferramentas e a própria linguagem que estava utilizando eram avançados demais para terem sido desenvolvido por algum grupo. Parecia muito mais um desenvolvimento de anos e anos, que no entanto foi mantido em absoluto segredo, e ele só conseguia imaginar uma resposta possível para quem poderia estar por trás disto.
   - Eu não creio que vocês estão me mantendo isolado para que o governo americano não me encontre – Ele falou para o microfone. Ele sabia que podiam ouvi-lo de qualquer lugar da casa, mas aparentemente a maioria das vezes só respondiam quando ele estava em seu escritório.
   - Estamos mantendo-o isolado pois você está oficialmente morto. Se você for encontrado vivo isto geraria toda uma série de efeitos colaterais, inclusive o governo americano voltando a caçá-lo – como sempre, a resposta veio de imediato. Para Rubens, era uma confirmação que ele não estava falando sempre com a mesma pessoa, mas sim com uma equipe. Ninguém conseguiria estar permanentemente pronto para responder.
   - O governo americano não está mais me caçando, ele já me pegou. São vocês, não? Eu estou trabalhando para o governo agora. – Não houve resposta desta vez. Assim como Vanessa, algumas vezes eles simplesmente se recusavam a responder suas perguntas.
   - Ouçam, a esta altura vocês já devem saber que eu não fiz nada intencionalmente. Eu nem imaginei que o sistema que eu estava desenvolvendo ia ser usado para invadir uma base do governo de vocês.
  - Nós não estamos confirmando nem negando sua hipótese. Você pode assumir a alternativa que lhe parecer mais conveniente. Agora, pedimos que retorne a seu trabalho.
   Rubens já sabia que nestes momentos era muito difícil obter mais alguma resposta. Muitos destes diálogos, nestas últimas semanas, terminavam desta forma. Mesmo assim, talvez fosse significativo que eles não negaram sua suspeita.
   Talvez, se desvendasse o que exatamente ele estava ajudando a desenvolver, quem estava por trás do projeto se tornaria óbvio, mas esta na verdade parecia ser a questão mais misteriosa de todas. Aparentemente, seu trabalho era apoiar na construção das ferramentas que seriam utilizadas mais tarde no desenvolvimento de um sistema, como se ele estivesse participando na construção de um computador totalmente novo, desenvolvendo recursos para armazenar informações, selecionar fluxos de dados, mas sem saber qual a aplicação final que seria desenvolvida.
   Sua teoria atual é que era alguma alternativa a computadores tradicionais, talvez algum tipo de computador biológico. De qualquer modo, o que quer que fosse, não era parecido com nada que ele já tivesse desenvolvido.
   Ele perguntou se poderiam lhe dar mais alguma informação sobre o projeto, mas a resposta foi a mesma das outras vezes que perguntou: nenhuma.
   Frustrado, ele resolveu encerrar mais cedo o trabalho naquele dia. “O que vai acontecer se eu simplesmente me recusar a fazer meu trabalho, a menos que eles comecem a me dar respostas?”, Rubens se  perguntou, e por um instante chegou a pensar em fazer exatamente isto, mas resolver esperar. Bem ou mal, independente de quem fossem, ele estava nas mãos deles.


sábado, 9 de março de 2013

Linguagem de Máquina 3/8


   - Quem é você?
   - Vanessa. Estou aqui para servi-lo – Ela repetiu tanto a resposta quanto o sorriso.
   - Como assim? Quem mandou você? – Ela olhou para Rubens, sempre mantendo seu sorriso, mas não respondeu nada.
   - Não pode me dizer?
   Nenhuma resposta.
   - Você fala português? Está entendendo o que eu falo?
   - Falo sim.
   - E não pode responder minhas perguntas?
   A jovem abaixou a cabeça, como se envergonhada, depois falou, a voz um pouco mais baixa – Desculpe. Só estou aqui para servi-lo.
   - Tá, tudo bem. Bom, fique à vontade, então. – Rubens coçou a cabeça, não sabia bem o que fazer agora – Quer que eu mostre a casa?
   - Se você quer mostrar a casa, vou ficar feliz que você mostre.
   Pelo menos parecia uma resposta um pouco mais natural, e Rubens a levou por toda a mansão, os quartos, cozinha, sala de ginástica, laboratório de informática. Rubens já havia reparado que a mansão parecia mais preparada para receber um grupo de pessoas que apenas ele.
   Durante toda a apresentação da casa, Rubens continuou tentando estabelecer uma conversa. Algumas perguntas, Vanessa respondia, outras não, e ele imaginou que talvez ela apenas fosse muito tímida, mas mesmo assim ela o deixava desconfortável. De qualquer modo, não conseguiu descobrir mais nada sobre ela.
   Depois, deixou-a na cozinha – ela disse que queria preparar uma refeição para ele – e foi para o escritório que usava para seu trabalho. Antes de começar, ele tentou descobrir quem era esta Vanessa e por que enviaram ela, mas não teve muito mais sucesso no diálogo com seu ‘chefe’.
   - Você nos alertou para sua necessidade de contato humano. Enviamos Vanessa para servi-lo.
   - Tá, e por que vocês proibiram ela de ter uma conversa normal comigo?
   - Iremos melhorar isto – Melhorar? Isto estava definitivamente ficando ainda mais misterioso.
   Rubens levou mais tempo que o habitual para se concentrar em seu trabalho, mas depois que começou, sua culpa, o mistério da mulher, tudo foi esquecido, enquanto se concentrava em um problema particularmente complexo. Aparentemente, os programadores misteriosos haviam trabalhado bastante durante a noite. “Estão na Índia, eu aposto”, ele pensou enquanto trabalhava.
   Quando por fim parou para descansar um pouco, descobriu que Vanessa havia feito um almoço para eles. Depois de semanas de sanduiches e comida congelada esquentada no micro-ondas, foi uma grata surpresa. De tempos em tempos eram deixados suprimentos e produtos de supermercado dentro da casa, ao pé de escada, mas Rubens nunca teve muita experiência em fazer sua própria comida.
   Ele sentou à mesa, e Vanessa permaneceu em pé, até que ele mandou ela sentar e comer junto com ele. Novamente, as tentativas de estabelecer uma conversa com ela foram frustrantes. Ela era sempre simpática e sorridente, mas parecia procurar responder o mínimo possível, isto quando não ficava simplesmente em um silêncio constrangedor. No final o almoço, embora saboroso, também foi uma experiência incômoda.
   Assim que ele terminou, Vanessa pôs-se a arrumar a mesa, e quando ele se prontificou em ajudar, ela respondeu que ele tinha o seu trabalho para fazer, e que este era o trabalho dela.
   “Depois de três semanas sem falar com ninguém, eu talvez esteja sendo insistente demais. De repente, ela nem mesmo foi com a minha cara”. Rubens pensou, e retornou ao seu escritório.
   Ele trabalhou até tarde, e quando finalmente parou, encontrou um jantar pronto. O silêncio foi igualmente constrangedor, mas desta vez ele nem tentou conversar, resolveu deixar que ela falasse quando se sentisse confortável. Desta vez, pelo menos, ela sentou para comer junto com ele.
   - Bom, já está ficando tarde. Você vai voltar amanhã?
   - Eu vou ficar aqui, estou aqui para cuidar de você.
   - Ah, ok... – Rubens respondeu. Depois que ela ajeitou a mesa, tendo novamente insistido que isto era trabalho dela, ele a levou até um dos quartos – Acho que você pode dormir aqui, então. Se preferir, tem mais dois quartos vagos, mas este é o maior, e tem um banheiro exclusivo ao lado. Se quiser trazer suas coisas, tem um armário vazio aqui.
   Ela agradeceu e não falou mais nada. Rubens a deixou e foi para seu próprio quarto.
   No meio da noite ele acordou de um sonho em que estava com sua namorada, na cama, apenas para perceber que de fato havia alguém com ele. Em cima dele, seria mais preciso.
   - O quê? Quem?
   - Shhh. – Vanessa falou, o rosto aparecendo por entre as cobertas, para então desaparecer novamente, sua boca descendo pelo seu corpo.
   Por um instante, Rubens quase disse para ela parar, mas hesitou por alguns instantes, pensando que provavelmente nunca mais iria ver sua namorada mesmo. E depois não pensou em mais nada.
   Pela manhã, foi acordado com um bandeja de café da manhã sendo colocada em seu colo por uma Vanessa nua.
   - Olhe, você está sendo obrigada a alguma coisa? Quer dizer, alguém tem seus pais como reféns ou alguma coisa do tipo? Eu não quero que você faça alguma coisa contra sua vontade – Um pouco tarde para dizer isto, sua consciência lhe alertou...
   - Estou aqui para servi-lo – ela respondeu sorrindo.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Linguagem de Máquina 2/8

   A culpa pelo que fez ainda incomodava Rubens. Algumas vezes vinha no meio da noite, em um pesadelo, e ele acordava gritando. Outras vezes ele estava simplesmente descansando, fazendo um intervalo de seu trabalho, quando se via a pensar em todas as pessoas que morreram por sua causa, e começava, ali mesmo, a chorar.
   A verdade, porém, é que ele tentava não pensar nisto. Assim como tentava não pensar em sua antiga vida, seus pais, sua namorada. Eles achavam que ele estava morto, e talvez fosse melhor assim.
   Ele próprio havia visto no noticiário. Seu suicídio, o corpo encontrado com uma bala na cabeça, a nota – que na verdade ele próprio escreveu – pedindo perdão pelo que fez. Enquanto escrevia a mensagem de suicídio, Rubens chegou a imaginar que iam mesmo matá-lo e fazer parecer que foi ele próprio, mas o que podia fazer? Seus empregadores eram definitivamente muito poderosos, e ele estava na mão deles.
   Quão poderosos só ficou claro quando foi divulgada a análise da perícia. Não só o corpo havia sido reconhecido pelos parentes, mas a análise do DNA foi conclusiva. Era de Rubens mesmo o corpo que havia sido encontrado morto.
   Ele perguntou como haviam conseguido fazer uma simulação tão perfeita da morte dele, mas não recebeu resposta. Ele nunca recebia nenhuma resposta que não fosse a uma pergunta diretamente relacionada a seu trabalho.
   Se tudo era misterioso, seu trabalho não era exceção. Era o programa mais complexo que Rubens já havia feito. Levou semanas só para entender a linguagem e as ferramentas que iria usar no trabalho, eram muito diferentes de qualquer outro ambiente no qual já trabalhou.
   - Eu vou precisar ativar minha conexão neural – ele disse em voz alta, o microfone do computador captando sua voz, na segunda semana que estava na mansão – não tenho como trabalhar na velocidade que vocês querem de outro jeito.
   Ele havia desconectado sua interface assim que resolveu fugir. Teoricamente não era rastreável, e era um modelo simples, como qualquer adolescente usava para acessar mais facilmente a rede. Havia experimentos com modelos muito mais sofisticados, implantes que eram colocados por cirurgia diretamente no cérebro, mas só eram realizados com autorização médica, e restritos a casos muito graves, como cegueira, pacientes tetraplégicos, com doenças mentais e questões do tipo. Depois que se percebeu que com tais implantes era possível influenciar e até controlar a mente de uma pessoa, o uso dos mesmos foi proibido exceto em situações médicas.
   Em alguns de seus pesadelos, Rubens imaginava o governo americano implantando chips em seu cérebro. Terroristas presos não tinham nenhum dos direitos previstos na constituição americana.
   Mas nada disto era problema para a interface que Rubens usava. Ela só permitia que ele interagisse mais rápido com o computador.
   - Você pode ativá-la, se quiser. Enquanto não sair da casa, não há risco de detectarem.
    “Então eu estava certo?”, Rubens pensou, “É possível rastrear o sinal de uma conexão neural? Ou eles só estão dando mais uma desculpa para me manter preso aqui?”
   - Eu não posso sair desta casa, lembram? Vocês estão me mantendo preso aqui! – Podia ser uma prisão confortável, era uma mansão enorme e com todo o conforto, mas ele não havia visto ou falado com qualquer ser humano desde que fora trazido, exceto seu contato, que, de qualquer modo, se limitava a lhe dar instruções.
   Com seu acesso neural ativo, o trabalho ficou um pouco mais fácil, e na verdade era empolgante, algo realmente muito complexo e desafiador, e Rubens sempre gostou de desafios. O que o incomodava era que ainda não havia entendido que tipo de sistema ele estava ajudando a desenvolver. Era óbvio que outras pessoas também estavam trabalhando no mesmo, e Rubens começou a entender que seu papel era revisar e corrigir o que outros haviam feito.
   Na verdade, se não fosse o desafio, Rubens já teria enlouquecido nos primeiros dias na mansão, mas mesmo assim não aguentava mais ficar preso e sozinho.
   - Eu só quero sair por alguns minutos, esta bem? Eu não falo com ninguém há quase três semanas. Eu cubro o rosto com uma manta, ninguém vai me reconhecer.
   - Por que você deseja sair e se expor a um risco? Diga o que você deseja, que providenciaremos – A voz era sempre igual. Rubens perguntou uma dúzia de vezes qual era seu nome, sem receber resposta. A voz nem se deu ao trabalho de inventar um nome falso. Ele se perguntava, inclusive, se era sempre a mesma pessoa. Talvez fosse uma equipe, e a voz fosse sintetizada por computador.
   - Olha, eu estou fazendo o trabalho direito, pelo menos eu acho que estou. Nem isto vocês me dizem. Mas se eu não sair e conversar com outras pessoas, eu vou pirar. Dá para entender?
   - Seu trabalho está dentro do que esperávamos. Quanto a sair, é um risco inaceitável. Iremos providenciar uma alternativa.
   - Como assim, alternativa? Eu quero sair, não quero nenhuma alternativa. – Rubens gritou, mas ninguém respondeu.
   No dia seguinte sua alternativa tocou a campainha da porta.
   Rubens desceu as enormes escadarias da mansão hesitante. Seria a CIA? Descobriram que ele estava vivo e onde estava? A porta sempre estava fechada, ele já tentara abri-la algumas vezes.
   - O que eu faço? – Ele falou para o ar, enquanto parava no meio das escadas. Todas as outras vezes, ele só havia recebido uma resposta quando falava diretamente para o microfone do computador na sala de trabalho. A resposta, agora, que veio de algum lugar impossível de identificar, serviu para confirmar o que ele suspeitara desde o início, que toda a mansão era vigiada.
   - Abra a porta.
   Rubens terminou de descer as escadas e abriu a porta, que desta vez não estava trancada. Do lado de fora estava uma jovem aparentemente da sua idade, vinte, vinte e um anos. Ela sorriu e entrou, enquanto ele dava espaço, atônito.
   - Estou aqui para servi-lo – ela falou.