- Feche a janela, feche a janela!
Mana desceu correndo as escadas e entrou na sala de jantar da nossa casa. Como sempre, nas noites de tempestade, ela estava chorando, com medo. Queria poder fazer alguma coisa, mas era sempre assim, e agora parecia que todas as noites eram noites de tempestade. Será que nunca mais iria melhorar o tempo, sempre uma tempestade para assustar mana?
- Calma, mana, está tudo bem. Não precisa ter medo.
- Não está bem - ela berrava - não está nada bem. Papai disse que ia vir e não veio. E agora começou uma tempestade. E está chovendo dentro do meu quarto. E está tudo escuro lá fora. E eu estou com medo - e ela gritou mais alto ainda - e papai não veio!
Eu segurei mana pela mão, e subimos até seu quarto. A janela estava aberta, como sempre. O vento estava revirando tudo, a porta escancarada. Não era só água, tinha areia, terra, cinzas, tudo sendo carregado para dentro do quarto pela tempestade.
- Olha, mana, eu vou fechar a janela, está bem? Eu fecho a janela e vai ficar tudo bem. Entendeu? A tempestade não vai entrar, não vai fazer mal nenhum para a gente, certo? Vai ficar tudo bem - eu menti para ela. Que mais eu podia fazer? Pelo menos, ela se acalmou um pouco.
Eu fechei a janela e o barulho diminuiu, o vento dentro de casa parou. Mas a casa inteira parecia balançar. As janelas batiam e batiam, prestes a arrebentar a cada rajada mais forte. Na verdade já arrebentaram há muito tempo, mas não importava.
- Brigada mano. Eu estava com medo. Ainda estou. Quando o pai vem?
- Ele já está chegando, mana, já tá quase chegando - eu menti de novo. Era só o que eu fazia, mentir para mana e tentar que ela não ficasse muito assustada. Era só por isto que eu estava aqui, para cuidar da mana.
- Vamos ver a tevê, mano? Quem sabe o pai aparece na tevê? - tinha dias que ela não via tevê, que eu conseguia ler historias para ela, mas eram cada vez mais raros. Era tevê, tevê, tevê, e eu sabia que ela ficava só mais assustada depois.
- Mana, me deixa ler um livro para você, está bem? Eu leio Judy Moody, aquele que você gosta, que ela quer ficar famosa.
- Eu quero ver tevê! - ela gritou, e desceu correndo as escadas. Não tinha muito que eu podia fazer, não tinha como impedir, só podia ficar ao seu lado e tentar que ela não ficasse ainda mais nervosa.
Quando entrei na sala ela já estava no sofá, sentada, assistindo a tevê com os olhos vidrados. Já não tinha eletricidade há muito tempo, mas não importava, a tevê sempre passava a mesma coisa. Era sempre o mesmo cara falando, a imagem tremida, a câmera balançando.
- Não saiam de suas casas. Fiquem onde estão e aguardem novas orientações. Tranquem portas e janelas. Evitem a chuva, evitem contato com partículas radioativas. Repetindo, não saiam de suas casas.
- Mano, eu estou com medo. A guerra começou, não começou?
- Sim, mana, a guerra começou.
- Mas o pai é piloto. Eles não vão deixá-lo voltar para casa - e ela começou a berrar de novo - eu quero o pai.
- Calma mana, o papai tá vindo. A gente só tem que esperar, o pai tá vindo.
Mana subiu correndo a escada, de volta para seu quarto. A tevê ainda mostrou por alguns segundos a imagem do cogumelo no fundo de onde o cara falava, depois só estática. Depois, quando mana já tinha sumido da vista, além da escada, a tevê ficou apagada, toda quebrada e meio afundada no meio do pó que foi se acumulando ao longo dos anos.
Eu subi correndo a escada, mas mana já vinha descendo, chorando, recomeçando todo o ciclo.
- Feche a janela, feche a janela!
O vento já estava entrando em seu quarto de novo, o pó sendo jogado para fora da porta, as janelas, há muito destruídas, incapazes de deter o vento.
Eu abracei mana, tentando acalmá-la, garantindo que papai já ia chegar, mesmo sabendo que era mentira. Papai nunca voltou. Ninguém nunca voltou.
Para sempre, estávamos sozinhos com a tempestade, eu e a mana. Apenas nós dois.
Apenas dois fantasmas.
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