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sexta-feira, 1 de março de 2013

Linguagem de Máquina 2/8

   A culpa pelo que fez ainda incomodava Rubens. Algumas vezes vinha no meio da noite, em um pesadelo, e ele acordava gritando. Outras vezes ele estava simplesmente descansando, fazendo um intervalo de seu trabalho, quando se via a pensar em todas as pessoas que morreram por sua causa, e começava, ali mesmo, a chorar.
   A verdade, porém, é que ele tentava não pensar nisto. Assim como tentava não pensar em sua antiga vida, seus pais, sua namorada. Eles achavam que ele estava morto, e talvez fosse melhor assim.
   Ele próprio havia visto no noticiário. Seu suicídio, o corpo encontrado com uma bala na cabeça, a nota – que na verdade ele próprio escreveu – pedindo perdão pelo que fez. Enquanto escrevia a mensagem de suicídio, Rubens chegou a imaginar que iam mesmo matá-lo e fazer parecer que foi ele próprio, mas o que podia fazer? Seus empregadores eram definitivamente muito poderosos, e ele estava na mão deles.
   Quão poderosos só ficou claro quando foi divulgada a análise da perícia. Não só o corpo havia sido reconhecido pelos parentes, mas a análise do DNA foi conclusiva. Era de Rubens mesmo o corpo que havia sido encontrado morto.
   Ele perguntou como haviam conseguido fazer uma simulação tão perfeita da morte dele, mas não recebeu resposta. Ele nunca recebia nenhuma resposta que não fosse a uma pergunta diretamente relacionada a seu trabalho.
   Se tudo era misterioso, seu trabalho não era exceção. Era o programa mais complexo que Rubens já havia feito. Levou semanas só para entender a linguagem e as ferramentas que iria usar no trabalho, eram muito diferentes de qualquer outro ambiente no qual já trabalhou.
   - Eu vou precisar ativar minha conexão neural – ele disse em voz alta, o microfone do computador captando sua voz, na segunda semana que estava na mansão – não tenho como trabalhar na velocidade que vocês querem de outro jeito.
   Ele havia desconectado sua interface assim que resolveu fugir. Teoricamente não era rastreável, e era um modelo simples, como qualquer adolescente usava para acessar mais facilmente a rede. Havia experimentos com modelos muito mais sofisticados, implantes que eram colocados por cirurgia diretamente no cérebro, mas só eram realizados com autorização médica, e restritos a casos muito graves, como cegueira, pacientes tetraplégicos, com doenças mentais e questões do tipo. Depois que se percebeu que com tais implantes era possível influenciar e até controlar a mente de uma pessoa, o uso dos mesmos foi proibido exceto em situações médicas.
   Em alguns de seus pesadelos, Rubens imaginava o governo americano implantando chips em seu cérebro. Terroristas presos não tinham nenhum dos direitos previstos na constituição americana.
   Mas nada disto era problema para a interface que Rubens usava. Ela só permitia que ele interagisse mais rápido com o computador.
   - Você pode ativá-la, se quiser. Enquanto não sair da casa, não há risco de detectarem.
    “Então eu estava certo?”, Rubens pensou, “É possível rastrear o sinal de uma conexão neural? Ou eles só estão dando mais uma desculpa para me manter preso aqui?”
   - Eu não posso sair desta casa, lembram? Vocês estão me mantendo preso aqui! – Podia ser uma prisão confortável, era uma mansão enorme e com todo o conforto, mas ele não havia visto ou falado com qualquer ser humano desde que fora trazido, exceto seu contato, que, de qualquer modo, se limitava a lhe dar instruções.
   Com seu acesso neural ativo, o trabalho ficou um pouco mais fácil, e na verdade era empolgante, algo realmente muito complexo e desafiador, e Rubens sempre gostou de desafios. O que o incomodava era que ainda não havia entendido que tipo de sistema ele estava ajudando a desenvolver. Era óbvio que outras pessoas também estavam trabalhando no mesmo, e Rubens começou a entender que seu papel era revisar e corrigir o que outros haviam feito.
   Na verdade, se não fosse o desafio, Rubens já teria enlouquecido nos primeiros dias na mansão, mas mesmo assim não aguentava mais ficar preso e sozinho.
   - Eu só quero sair por alguns minutos, esta bem? Eu não falo com ninguém há quase três semanas. Eu cubro o rosto com uma manta, ninguém vai me reconhecer.
   - Por que você deseja sair e se expor a um risco? Diga o que você deseja, que providenciaremos – A voz era sempre igual. Rubens perguntou uma dúzia de vezes qual era seu nome, sem receber resposta. A voz nem se deu ao trabalho de inventar um nome falso. Ele se perguntava, inclusive, se era sempre a mesma pessoa. Talvez fosse uma equipe, e a voz fosse sintetizada por computador.
   - Olha, eu estou fazendo o trabalho direito, pelo menos eu acho que estou. Nem isto vocês me dizem. Mas se eu não sair e conversar com outras pessoas, eu vou pirar. Dá para entender?
   - Seu trabalho está dentro do que esperávamos. Quanto a sair, é um risco inaceitável. Iremos providenciar uma alternativa.
   - Como assim, alternativa? Eu quero sair, não quero nenhuma alternativa. – Rubens gritou, mas ninguém respondeu.
   No dia seguinte sua alternativa tocou a campainha da porta.
   Rubens desceu as enormes escadarias da mansão hesitante. Seria a CIA? Descobriram que ele estava vivo e onde estava? A porta sempre estava fechada, ele já tentara abri-la algumas vezes.
   - O que eu faço? – Ele falou para o ar, enquanto parava no meio das escadas. Todas as outras vezes, ele só havia recebido uma resposta quando falava diretamente para o microfone do computador na sala de trabalho. A resposta, agora, que veio de algum lugar impossível de identificar, serviu para confirmar o que ele suspeitara desde o início, que toda a mansão era vigiada.
   - Abra a porta.
   Rubens terminou de descer as escadas e abriu a porta, que desta vez não estava trancada. Do lado de fora estava uma jovem aparentemente da sua idade, vinte, vinte e um anos. Ela sorriu e entrou, enquanto ele dava espaço, atônito.
   - Estou aqui para servi-lo – ela falou.

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