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terça-feira, 19 de março de 2013

Alien a Bordo - Revisão 1

   Hesitantes, eles entraram na principal sala de reuniões da nave, vindos em grupos de dois ou três. Alguns ainda lentos, recém-despertos, surpresos pela convocação durante seu turno de sono.  Em todos, visível uma curiosidade que só aumentou quando as portas se fecharam. Ava as trancou quando o último tripulante chegou para a reunião, e tinha ordens para abrir somente quando tudo estivesse resolvido.
   - Um de nós é um espião – eu falei, sem dar tempo para que todos se acomodassem, minha voz alta apenas o suficiente para ser ouvida acima do ruído das conversas, que, de súbito, cessaram. Segundos de silêncio se seguiram, e eu nada falei, observando a reação dos presentes. Todos atônitos, a revelação pesando no ar.
   Alguém teria que quebrar o silêncio, e, uma vez que eu optei pelo silêncio, o papel coube naturalmente a Olf, o mais velho entre nós, sua idade conferindo um respaldo que nada tinham a ver com a hierarquia formal. Ele era o mais velho, e o que ele dissesse seria ouvido por todos a bordo. Uma pena que, como sempre, nada de útil ele tivesse a dizer.
   - Isto é impossível, Ralph.  Nossa missão é contra o flagelo, é impossível haver um traidor entre nós – eu ri por dentro. Impossível, de fato, eu repeti para mim mesmo as palavras de Olf, em irônico silêncio.  Mas minha voz foi séria quando respondi.
   - Impossível? Sim, deveria ser impossível, nós mal conseguimos nos comunicar com o inimigo, ele recusa qualquer contato. No entanto, um de nós é efetivamente um traidor, Olf. Pior. Um traidor a serviço do flagelo. E nós temos que descobrir quem ele é. Do contrário, teremos que abortar nossa missão.
   - Como você pode ter certeza disso, Ralph.
   - Ava tem a prova, Olf. Ava, relate para todos o que acabou de me contar.
   - Pois não, Ralph - a voz sintética do computador central da nave indistinguível de uma voz natural - A confirmação veio na última transmissão que recebemos, e devo dizer que, com base nos fatos transmitidos, concordo com as conclusões do comando central. Há, com altíssimo grau de probabilidade, um espião nesta nave.
   - Com todo respeito a você e seus colegas do comando, Ava, não seria a primeira vez que um sintético chega a conclusões totalmente falsas – desta vez, quem tomou a palavra foi Margô, nossa analista chefe, certamente a mais ponderada e lógica de toda a tripulação. Curioso que justamente ela tivesse as maiores ressalvas a tudo que envolvia inteligências artificiais - É por isto que orgânicos seguem sendo responsáveis pelas decisões estratégicas de alto nível.
   - Estou ciente de nossas limitações, Margô, e o percentual de erro de nossos resultados é, atualmente, incluído em toda análise estatística que fazemos. Entretanto, as conclusões já foram validadas pelo alto comando, que, como você sabe, é exclusivo de orgânicos - a voz de Ava continha um leve traço de reprovação no final da frase. Há anos, sintéticos vinham questionando a ausência de computadores na cúpula do comando central, alegando ser um ultrapassado preconceito.
   - Sugiro que deixem Ava concluir seu relato - eu intervi, visando assegurar que nos concentrássemos na única questão realmente importante em jogo.
   - Obrigado Ralph. Para contextualizar melhor nossas conclusões, primeiro apresentarei um breve relato de nossa situação atual.
   Eu mal prestei atenção, enquanto Ava relatava, de forma muito resumida, os acontecimentos das últimas quatro décadas. Obviamente desnecessário, mas sintéticos parecem sempre duvidar da nossa capacidade de reter informações. Ela rapidamente passou pelos primeiros contatos com os alienígenas, pela destruição dos mundos coloniais, pelas tentativas de comunicação, enquanto ainda se acreditava que poderia ser tudo um mal entendido, até a mobilização para a guerra e as primeiras batalhas no espaço.
   - Nos últimos dez anos - Ava continuou - embora tenhamos, em grande parte, detido o avanço alienígena, percebemos que eles pareciam antecipar nossos movimentos, em um grau que não poderia ser facilmente explicado pela sorte, ou mesmo por um adversário com inteligência superior a nossa. Inevitavelmente, nós, sintéticos, chegamos à conclusão que a única explicação racional era a presença de espiões entre nosso povo.
   - E o alto comando concordou com esta conclusão? – Margô interrompeu novamente, mantendo seu ceticismo.
   - Na verdade, inicialmente não. Pela ausência de sintéticos, como pontuei antes, Margô, o alto comando sofre das mesmas fragilidades de inteligências puramente biológicas. Como sabemos, orgânicos têm dificuldade em aceitar conclusões sem evidências diretas. Estas evidências foram finalmente obtidas.
   - E quais são elas, Ava? - Olf, novamente.
   - Pouco depois de iniciarmos nossa viagem, uma mensagem codificada foi enviada para esta nave. Foi por puro acaso que detectei a comunicação, mas não consegui identificar sua origem nem seu conteúdo. Porém, temos próximo de 100% de certeza que foi enviada pelos alienígenas. A conclusão lógica é que há alguém nesta nave que recebeu esta mensagem, alguém que está em comunicação com o flagelo.
   - E, senhores - eu interrompi - não sabemos quem recebeu, não sabemos suas intenções, e não sabemos o conteúdo da mensagem. Mas, como comandante da nave, eu não tenho outra escolha além de abortar a missão, a menos que descubramos, aqui e agora, quem de nós é um traidor.
 * * *
   Foram horas e horas de discussões, de teorias sendo formuladas, apenas para serem em seguida descartadas. Com o tempo, a desconfiança foi aumentando, junto com o cansaço e a irritação.
   Algumas revelações surgiram.
   Even participou dos protestos estudantis de 2315, esteve presa, mudou o nome, recebeu uma permissão especial do governo para começar uma nova vida.
   Laos participou de uma seita ilegal que defendia a rendição para os alienígenas, por acreditar serem eles seres superiores. Ele foi um forte suspeito de ser o traidor. Até que revelou o que o fez sair da seita e se alistar. Sua irmã morava em Colônia 7, o mundo que os aliens transformaram em um inferno radioativo. Ninguém mais questionou sua lealdade.
  Foi a suspeita de Margô que atingiu a todos de forma mais impactante.
   - Eu sei quem é o único aqui que pode ser o traidor - ela disse.
   Nós olhamos para ela, curiosos. Sua pausa obviamente para gerar mais impacto na revelação.
   - Ava. O único traidor possível é Ava.
   - Margô - Ava respondeu de imediato - eu sei que você tem restrições aos sintéticos, mas esta hipótese não faz sentido.
   Foi a mais longa das discussões. Por um lado, não víamos como os alienígenas poderiam ter alterado Ava. Boa parte de sua personalidade era fixa, codificada diretamente em hardware, portanto não sujeita a manipulação. Por outro lado, todas as alternativas também não pareciam fazer sentido.
   Por fim, a discussão se encerrou com base no argumento mais importante de todos. Se os alienígenas estivessem controlando os sintéticos, então a guerra já estava virtualmente perdida. Na verdade, se Ava assim desejasse, não teríamos sequer sabido da suspeita de haver um espião na nave.
   - Ava, Olf, estou propondo abortar a missão e retornarmos. Preciso da concordância de vocês dois. Não podemos seguir adiante com o risco de um espião na nave. Deixaremos para o alto comando a tarefa de continuar esta investigação.
   Mais alguns minutos se seguiram, de discussões adicionais, últimas ideias, mas, por fim, houve a concordância. A missão seria abortada. Ava abriu a porta para sairmos.
   Em minha cabine, eu olhei para meus braços e os pequenos tentáculos verdes na ponta de cada um. Pensei na mensagem - impeça a nave de chegar a seu destino, não importa como - e agradeci por ter conseguido cumprir meu objetivo sem a morte de nenhum dos seres que aprendi a respeitar.
   "Algum dia voltarei para meu corpo? algum dia serei humano novamente?" eu falei em silêncio comigo mesmo, e me perguntei uma vez mais quando terminaria minha missão.

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