Capítulo I
Bastava eu fechar os olhos para vê-la como estava no dia em que a conheci, sentada absorvendo a luz do sol, a pele em um ligeiro tom castanho, uma tonalidade que eu nunca havia visto igual.
"Estou lembrando novamente o que aconteceu para ter certeza que não vou esquecer nada, na próxima vez que relatar minha história para os psicólogos", eu menti para mim mesmo.
Ela sorriu, me convidando para sentar ao seu lado, quando me aproximei. Não, sorrir é um termo inadequado. Ela de fato sorriu, o rosto Fin curiosamente semelhante ao humano na capacidade de expressar emoções, mas foi muito mais que isto. Os transmissores de odor liberando um quase imperceptível sinal de aceitação, os tentáculos de ataque se retraindo para mostrar confiança, a cor de sua pele se tornando ligeiramente mais clara.
Foi ensurdecedor. Não realmente ensurdecedor, pois não houve nenhum som. Não havia uma analogia humana para descrever. Há 5 anos eu vivia, disfarçado, entre os Fin, mas todos meus contatos eram - e eu sempre sabia que permaneceriam - profissionais. Será que a diferença era por eu saber que minha missão era me aproximar dela?
As respostas automáticas de meu corpo começaram assim que me sentei ao seu lado. O fluxo sanguíneo aumentou, escurecendo minha pele, certamente com meu estado de ansiedade vísivel para ela. Se eu tivesse um coração, ele estaria batendo acelerado. Ela emitiu novos sinais pelo odor, ainda sutis, mas deixando claro que percebia e apreciava minha reação.
Eu estava agindo como um Fin adolescente, o que era compreensível. Como Fin eu realmente era ainda uma criança, e estava lidando com reações automáticas do meu corpo que eu nunca havia vislumbrado antes. Um misto de vergonha e medo de comprometer meu disfarce só tornaram o turbilhão de emoções ainda mais confuso.
Ela encostou a mão em meu braço e deslizou até minha mão, um gesto quase humano, os pequenos tentáculos fazendo o papel de dedos. Um sinal para me acalmar. Simpatia, um tom maroto, um leve toque de malícia. Ela transmitia sinais emotivos com uma velocidade e sutileza tal que eu mal conseguia acompanhar. Em ambientes formais - que era quase só o que eu conhecia até então - os Fins se esforçavam para transmitir mensagens definidas e sem ambiguidade. Eu não estava preparado para este tipo de contato.
- Um soldado, uma de nossas defesas vivas contra o flagelo - sua voz também era diferente, e levei um segundo para entender por quê. Junto com o som das palavras, uma segunda onda, em frequência quase inaudível, acompanhava sua fala, como se acariciasse cada palavra. Como explicar em palavras humanas? Era como se ela falasse em uma voz sedutora, mas - como todas as tentativas de descrevê-la - esta era só uma analogia grosseira.
- Meu nome é Ralph, quarto cantor das sombras de Amarth, terceira geração de Fins do mundo de Alar. Eu sou realmente um soldado, em licença por alguns ciclos curtos. Como soube?
- Meu pai era um soldado, assim como toda minha família, menos eu. Eu sei reconhecer um de longe, o treinamento faz vocês perderem a naturalidade, é quase como se estivessem tentando deixar de ser Fin. - ela sorriu novamente. Aceitação, malícia, mas uma sutil mensagem de tristeza, principalmente pelo odor, que se ampliou até disputar espaço de igual para igual com as outras emoções. - mas estou sendo indelicada. Meu nome é Saath, quinta luz da cidade de Dath, primeira - aqui uma ligeira hesitação - primeira e última geração de Fins do mundo de Rarth.
- Eu sinto muito - Rarth, Colônia 7, o mundo que destruímos no início da guerra.
Nós conversamos por toda aquela tarde. Ela me disse que havia perdido toda sua família. A maior parte em Colônia 7. O pai e um irmão nos meses seguintes, em batalhas. Ela me contou que estava atuando em um ciclo tático, e tinha esperança de ser elevada para um ciclo estratégico, onde poderia contribuir de verdade na luta contra o flagelo.
Ao final do primeiro dia, nosso contato estava estabelecido, e marcamos de nos ver no dia seguinte. Provavelmente meus superiores queriam que eu conseguisse algum tipo de acesso a informações estratégicas privilegiadas. Sob qualquer ótica, meu primeiro contato com a Fin foi muito bem sucedido.
Por que, então, eu me sentia tão mal?
É claro que hoje eu sei a resposta.
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