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FICÇÃO CIENTÍFICA  -  FANTASIA  -  TERROR.


quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Mais Hardware

Prólogo

- Mais Hardware, Gabriel? De novo?

- Desculpe, mas eu preciso mesmo. O problema é que aceitaram o pedido do Doutor Sansom por mais Hardware. Por isto que eu preciso também.

- Doutor Sansom? Quem é o Doutor Sansom?

- Eu mostro. Tenho tudo gravado, filmei toda a reunião dele. Olha só.



A Gravação de Gabriel

- Muito bem, Doutor Sansom. Você recebeu mais de 100 milhões de dólares em equipamentos, e agora quer mais que o dobro disto. Espero que possa nos mostrar que seu pedido de mais hardware tem fundamento.

O Doutor Sansom estava em um auditório, apresentando suas descobertas para uma junta que reunia cientístas e investidores. Ao longo de sua carreira acadêmica, ele já havia realizado inúmeras apresentações, mas nunca uma havia deixado-o tão nervoso. Não pela platéia, em si, mas pelo que iria mostrar.

- Senhores, com os aperfeiçoamentos que fizemos no acelerador de partículas, pudemos finalmente ver o que ninguém havia visto antes - ele fez uma pausa. Todo o resultado desta apresentação dependeria da reação que teriam a sua fala seguinte - Nós finalmente vimos a mão de Deus.

O Doutor Sansom teve que esperar, acalmar os animos, e gastar alguns minutos em discussões filosóficas com alguns dos membros da junta, até poder continuar relatando seu experimento.

- Senhores, nós conseguimos ser tão rápido em nossos experimentos que conseguimos enganar a Deus. Nós observamos o mundo antes dele ser construído. Por uma fração infinitesimal de segundos, conseguimos observar um mundo vazio, que quase instantaneamente foi povoado por partículas subatômicas.

- Doutor - O General Leslei o interrompeu (sim, havia militares entre os investidores) - Eu não entendi o que o senhor quer dizer com isto. Na verdade, espero não ter entendido. Poderia explicar em mais detalhes?

- Eu receio que tenhas entendido, General, mas vou explicar em outras palavras - novamente, o Doutor Sanson respirou fundo - o mundo como nós enxergamos não existe permanentemente, em um estado real. Ele é construído continuamente na frente de nossos olhos. Como se fosse uma simulação de computador.

- Está dizendo que estamos vivendo dentro de uma realidade simulada? Isto é rídiculo.

- Não, senhores, não. Mas a analogia é fundamental. E se Deus enfrentasse as mesmas restrições que um experimento de simulação de vida enfrentasse? O que estou dizendo é que, da mesma forma que em um experimento, Deus não precisa construir todo o Universo para existirmos nele, ele só precisa criar as coisas que são observadas. Tudo que foge de nossa observação não existe, é criado por Deus apenas quando se torna necessário para nossos sentidos.

Seguiu-se uma discussão profunda, mas os resultados preliminares eram indiscutíveis, e alarmentes. Por fim, o pedido de Hardware adicional foi aceito. O Doutor Sansom teria os equipamentos para enxergar além dos limites definidos por Deus.


Epílogo

- Ok, entendi seu problema. Mas nem pensar. Veja quão acelerado está o experimento! Nesta semana se passou quanto, em tempo subjetivo, na experiência?

- Mais ou menos uns 7 mil anos - Gabriel respondeu.

- Quando começou a exploração do cosmo, as lunetas, e principalmente os microscópios e a física quantica, já foi um absurdo. Mas isto? Você tem idéia do que seria necessário em termos de poder de processamento para mapear um universo inteiro neste nível de detalhe e velocidade?

E a mulher simplesmente foi até a máquina e desligou o interruptor, sem prestar atenção aos gritos de seu filho.

- Não mãe, não faça isto! São 7 bilhões de pessoas simuladas que você acabou de matar!

- Filho, eu sei que você adorou criar e povoar esta tal de Terra, mas é muito esforço só para um trabalho de escola. Não fique triste, Gabriel, meu anjo.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

O Rato Vampiro

- Me alcance as batatas fritas, por favor. - André pediu com gentileza, e Raquel, do outro lado da mesa, passou para seu marido, Carlos, que fez questão de se levantar e servir o amigo.

- Marta, sente-se, por favor. - Raquel falou para a esposa de André, que ia e voltava da cozinha, cada vez trazendo mais um prato ou bebida.

- Já vou sentar, só falta trazer o peixe.

- E então, Doutor André - o doutor em um tom meio sarcástico, meio bem humorado - Qual sua próxima descoberta científica? - Carlos sempre provocava o amigo, desde que este havia terminado seu doutorado em biologia, havia uns dois anos.

- Eu lhe digo se você prometer não rir.

- André! - o tom forçado, de falsa surpresa, combinava com o rosto, fingindo uma falsa mágoa - Algum dia eu tratei suas pesquisas com menos que o máximo de respeito? Assim você fere meus sentimentos.

- Carlos...

- Ok, ok. - a mão levantada, a outra posicionada no coração - juro por tudo que há de mais sagrado que não irei rir nem debochar da nova pesquisa do emérito Doutor André.

- Muito bem. Meu próximo artigo será sobre vampiros.

- André - Marta, se metendo na conversa - Por favor. Não podemos ter pelo menos um jantar com amigos sem que você fale sobre este assunto. Tenho certeza que Raquel e Carlos não estão interessados em histórias de vampiros.

- Mas estamos sim, Marta - contradisse Carlos. - Vampiros, André? Ora, então finalmente desistiu da carreira científica e vai voltar a ser um escritor?

- Eu nunca fui um escritor de verdade, e com certeza não pretendo começar agora. Meu próximo artigo CIENTÍFICO será sobre vampiros - André fez questão de frizar a palavra 'científico'.

- Deixe-os com sua conversa - Raquel disse para Marta - Fale-me da viagem que vocês estão planejando.

André não prestou atenção na resposta de Marta, estava envolvido demais em sua própria explicação. - Meu artigo provará a existência de vampiros, meu amigo.

- Hummm - foi a primeira resposta de Carlos, que então bebeu um gole de vinho. O jantar, na casa de André, era simples, mas o vinho era de primeira qualidade. - Você sabe qual é o problema com vampiros?

- Qual?

- Eles não existem - Carlos abriu as mãos e fez uma expressão de quem falava o óbvio.

- Tudo bem, tudo que nós sabemos de biologia, física, etc., indica que vampiros não existem. Concordo. Agora, imagine por um momento que eles de fato existam.

- André, André, eu sei que você imaginou ter visto um vampiro quando criança. É natural, coisa de criança, acho que sua mãe inclusive exagerou, levando você em um psiquiatra e tudo mais. Mas achei que você já tinha superado aquele trauma.

- Eu sei o que vi. Por anos fiquei me convencendo que estava delirando, imaginando, o que fosse. Mas então me veio um pensamento: e se de fato existissem vampiros.

- Você é um cientísta, André. Vai agora abandonar sua ciência e começa a acreditar em misticismos? Você, que me disse que não acreditava em nada que não pudesse ser provado, e isto inclui crenças, religiões, até Deus e, pelo menos sempre imaginei, vampiros.

- Não estou abandonando minha ciência. Ao contrário, mais do que nunca acredito na ciência, e mais do que nunca só acredito no que pode ser provado. Este é meu ponto. O que eu disse no início? E se de fato existissem vampiros? E se minha hipótese fosse de que há criaturas imortais, que bebem o sangue das pessoas? Se isto fosse verdade, qual a explicação científica por trás destes seres?

- Vampiros são criaturas místicas, André. Tudo bem que a Marta acreditasse neles - Carlos olhou para a esposa de André e disse para ela não levar a mal, mas ela apenas respondeu que não estava nem escutando a conversa e continuou falando com Raquel - mas você me dizer agora que acredita em criaturas místicas... Bem, me surpreende.

- Eu não acredito em criaturas místicas, Carlos. Minha hipótese é que existem de fato vampiros. Seres reais que chamamos de vampiros, que não são místicos, que possuem uma explicação científica, biológica. Seres, que uma vez que entendemos que existem, são um elemento a mais para entendermos e criarmos teorias sobre o nosso próprio organismo.

- Esta bem, e você vai fazer um artigo a respeito disto. - Carlos falava com voz descrente. Bebeu mais um gole de vinho - e qual seria esta explicação 'biológica' para estes seres que viram morcego e bebem sangue?

- Eu não acredito que eles virem morcegos. Fisicamente me parece impossível, a menos que eles virassem morcegos de 80 kilos que não iam conseguir voar. Também não imagino que espelhos não reflitam o rosto deles. Mas estou certo que eles bebem sangue, são imortais, estão, em certo sentido, mortos e não me surpreenderia que queimassem a luz do sol.

- E você tem uma explicação não mística para tudo isto?

- Sim. É complexo, então vou ter que usar uma analogia, se me permite. -com um gesto de mão, Carlos indicou para ele continuar - pense em um carro flex. Ele opera a gasolina, certo. Se dessemos gasolina para ele a vida inteira, nunca imaginaríamos que ele poderia operar de outra forma. Mas ele também opera com Alcool, certo?

- Pois bem - André continuou - imagine se todas as células de nosso corpo, na verdade de qualquer ser vivo, fossem assim. Nós não entendemos realmente como elas funcionam. Nós achamos que entendemos, porque analisamos como cada célula se comporta em circunstâncias normais, mas isto não foi graças a uma simulação. Nós não deduzimos como as células funcionam. Nós observamos como elas funcionam e deduzimos o porque delas funcionarem desta forma.

- Juro que estou prestando atenção, André, mas acho que você está me perdendo.

- Minha teoria é que as células e, na verdade, os próprios organismos, tem pelo menos dois estados estáveis de funcionamento. Nós conhecemos apenas um deles, mas existe um outro estado estável, completamente diferente. Um estado em que as necessidades de oxigênio, o ciclo de produção de energia, a relação das células com o exterior, tudo é diferente, mas ao mesmo tempo igualmente estável. Neste estado o organismo não está vivo como nós o definimos, mas funciona também, apenas de uma forma desconhecida.

- André, meu amigo. Eu sei que quando criança você acha que viu um vampiro. Eu até entendo que para você é tão importante achar uma explicação para isto quanto é para, sei lá, um cristão acreditar que o que viu numa visão era realmente Deus. E até entendo que você, um homem de ciência, precisa construir uma explicação científica. Mas se publicar um artigo com esta teoria, vai virar motivo de chacota.

- Carlos, eu disse que iria publicar um artigo científico, não disse - André se levanta e vai até um armário na sala.

- Por favor, André, estamos comendo - Marta se levantou também - Não traga aquela coisa para a mesa.

- Pois bem - André continuou, sem prestar atenção na esposa - se estou pronto para apresentar um artigo, é porque minha idéia não é mais apenas uma teoria. - e André tirou do armário uma gaiola com um pequeno rato dentro.

- Isto - André continuou - É um rato vampiro. Passei dois anos investigando até conseguir ativar o segundo estágio de suas células. Descobri que ele pode até comer ração, mas só consegue se alimentar bebendo diretamente sangue. Ele não respira mais, ou melhor, as células praticamente não precisam mais de oxigênio. E estou quase certo que ele parou de envelhecer. E então, o que acha?

Carlos apenas olhou para sua esposa, que fez um pequeno sinal de concordância com a cabeça, e ambos se levantaram.

- Eu acho que é realmente culpa minha. Você realmente não deveria ter me visto me alimentar, quando era uma criança, meu amigo, mas eu sinto muito. Não tenho como deixar que você revele isto ao mundo.

E Carlos abriu sua boca.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Um Alien numa Terra Alien 5/5 - Epílogo

Epílogo

- Já se passaram 6 meses desde que chegou aqui, senhor Smith. Como está se sentindo?

- Humano. Eu finalmente estou me sentindo humano.

- E antes, nas nossas consultas anteriores, você não se sentia assim?

- Não. Eu me sentia como um alienígena, um Fin, em corpo humano. - Meu rosto revelando repulsa, nojo.

- Mas não era o que você dizia. - O psicólogo fingiu conferir suas notas - você dizia que só queria voltar a ver sua família, e que não havia motivo para mantê-lo retido. Você dizia, insistentemente devo salientar, que era, e sempre se sentiu, um ser humano.

Eu abaixei a cabeça, como se envergonhado, e minha resposta soou hesitante, insegura - Era mentira, eu queria esconder que me sentia um alienígena neste corpo. Eu tinha acabado de voltar da missão. Estava com medo, com raiva, só queria escapar daqui. Em retrospecto, fico feliz por ter tido este tempo. Principalmente, estou feliz por poder voltar a me sentir humano.

- Com raiva, você diz? Raiva de quem?

- De Saath, digo, da agente Black. - Eu só vim a saber o nome verdadeiro dela depois de ter retornado da missão - Eu a culpava por ter testado minha lealdade ao império. E raiva de mim mesmo por ter falhado. Raiva e vergonha.

- Vamos explorar um pouco mais estes sentimentos, senhor Smith. Você estava com raiva da agente Black porque ela estava testando se você ainda era leal ao império. Você ainda tem raiva dela?

- Não. Se tenho alguma sentimento pela agente Black, é gratidão. Gratidão a ela e ao Império. Eu estava deixando de ser humano, deixando de ser humano e me tornando uma daquelas coisas. - Eu estremeci, como se o pensamento me desse nojo. - Acho - eu hesitei - acho que, cedo ou tarde, eu teria revelado quem eu era, teria tentado me tornar um deles. A agente Black só evitou que isto acontecesse em uma situação muito pior.

-E você também estava com raiva de si mesmo, você acabou de dizer.

- Sim. Por ter me apaixonado pela agente Black e traído o Império. Traído minha humanidade, na verdade.

- Bom, o que você fez foi, sem dúvida, uma traição a tudo que a humanidade representa. Se você sentia raiva de si mesmo pelo que fez, isto pode ser visto como um sinal positivo.

Eu balancei a cabeça, discordando do psicólogo, e continuei - Eu estava doente, doutor. Na minha visão doentia, eu estava imaginando que, se tivesse passado no teste e provado minha lealdade ao império, eu poderia continuar a missão. Eu poderia permanecer em um corpo Fin, e continuar junto com a agente Black. Eu realmente havia me tornado um alienígena - Eu coloquei o rosto entre as mãos.

- Senhor Smith, já lhe expliquei, o que aconteceu com você era previsível, dadas as circunstâncias. Nunca deveríamos tê-lo deixado viver tanto tempo entre eles. Você era o agente que operou por mais tempo inserido dentro da hegemonia Fin. Só permaneceu tanto tempo em missão pelo enorme valor que representava para o Império, mas deveríamos tê-lo trazido de volta muito antes.

- Eu entendo, doutor.

- Deixe-me fazer, então, mais uma pergunta. Como sabe, com a possível exceção da agente Black, você é nosso maior perito nos Fins.
Nas outras entrevistas de avaliação, você sempre disse que seria voluntário para novas missões inserido na Hegemonia. Você permanece disposto a atuar novamente dentro de um corpo Fin?

Eu balancei a cabeça, quase como se instintivamente. Depois, após hesitar mais alguns segundos, respondi em voz baixa - não.

- Por que não, senhor Smith? Certamente não temos ninguém melhor que o senhor para atuar disfarçado na Hegemonia. Você tem tanta repulsa a ocupar novamente um corpo Fin?

- Sim. Não, quer dizer, não é isto. Não apenas isto. - Eu hesitei alguns segundos. Respondi com a cabeça abaixada, novamente em voz baixa - eu tenho medo.

- Medo, senhor Smith?

- Eu tenho medo de voltar a me sentir um alienígena. Eu tenho medo que eu me torne uma daquelas coisas, que esqueça que sou um ser humano. Doutor, eu tenho medo que eu acabe fazendo o que tentei seis meses atrás, que eu acabe traindo o império e a humanidade. Por favor, eu imploro, não deixe que me mandem de volta para lá.

- Seu medo é compreensível, senhor Smith, mas não precisa se preocupar. Devo avisá-lo que, de qualquer forma, nós nunca reintroduzimos agentes na Hegemonia. Mas sua resposta é muito importante. Seu medo na verdade é saudável.

Eu fiquei em silêncio, aguardando que o psicólogo continuasse.

- Bem, senhor Smith, deixe-me, então, fazer a pergunta mais importante de todas. Quem é você?

- Meu nome é Arnold Smith, e eu sou um oficial do serviço de inteligência humana. Nasci na Terra, no ano de 2719, me alistei em 2735, entrei para a inteligência em 2740 e de 2745 até 2750 atuei infiltrado na Hegemonia Fin sob a denominação Ralph. Há seis meses minha missão foi encerrada, e recuperei minha forma humana.

- Esta tem sido sua resposta ao longo destes seis meses, senhor Smith. Mas existe uma diferença agora. Você sabe qual é?

- Não.

- Sinceridade. Como psicólogos, aprendemos a perceber o verdadeiro significado por trás das palavras. Hoje, finalmente, eu tenho certeza que você realmente se sente, e é, Arnold Smith. Hoje eu posso dizer que Ralph é o que sempre deveria ter sido, apenas um personagem, um disfarce usado em uma missão.

- Obrigado, suas palavras significam muito para mim.

- Senhor Smith, o senhor fez uma longa jornada, uma jornada que não terminou realmente no dia que chegou no Império, nem mesmo no dia que recuperou seu corpo humano. Sua jornada de volta a humanidade foi concluída hoje, e eu quero ser o primeiro a lhe dar os parabéns.

Eu saí da sala do psicólogo ciente que, pela primeira vez, era um homem livre, pelo menos tão livre quanto é possível ser dentro do império.

Por seis meses ele me perguntou quem eu sou. Eu sei quem eu sou. E eu sei o que tenho que fazer. Não importa que resposta eu lhe dê. Não importa que corpo eu use, ou em que corpo tenha nascido.

Eu sou Ralph, quarto cantor das sombras de Amarth, terceira geração de Fins do mundo de Alar.

www.aventuraeficcao.com.br

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Um Alien numa Terra Alien 4/5 - Capítulo III

Capítulo III

Ela iria me odiar? Se sentir traída? Pior, ela teria nojo de mim, nojo de si mesma pelo que partilhamos?

Eu repetia a cena em minha mente incessantemente, imaginando centenas de cenários diferentes, mas em nenhum ela me aceitava pelo que eu era, um humano em um corpo Fin. Eu tentava imaginar a cena em que eu revelava a verdade e ela dizia que isto não importava, que nosso amor era maior, mas simplesmente não soava realista.

Eu era o flagelo. Eu havia destruído seu mundo, Rarth, e exterminado toda sua família.

Eu era o inimigo.

Todos os cenários eu criava em minha mente, enquanto seguia rumo a seu apartamento, exceto um. O único cenário que eu não era capaz de imaginar era o de cumprir as ordens do império.

Nos relatos para o psicólogo, eu comentava de ter passado a noite atormentado, me preparando para cumprir minhas ordens. Em todas as vezes que repeti minha história, eu cheguei ao apartamente dela decido a seguir com minha missão, apenas para no último momento hesitar. A realidade é que em nenhum momento pensei em qualquer outra coisa que não fosse revelar a verdade. Ela corria perigo, o império queria sua morte, e o único jeito de protegê-la era revelando quem eu era.

- Você está estranho hoje, Ralph. O que houve?

Ela sorriu para mim, todo seu corpo mostrando uma expressão de prazer em me ver. Eu sabia que seria a última vez que ela me olharia desta forma. Pouco importa o que acontecesse, mesmo que ela me perdoasse, mesmo que os Fin não me matassem, ela nunca mais pensaria em mim da mesma forma. Mas o império a queria morta, e eu tinha que avisá-la.

- Eu tenho algo para lhe dizer. Você provavelmente vai me odiar, mas é importante que escute.

Ela tentou com um gesto me dizer para ficar quieto, os odores revelando apreensão, tristeza. Mas eu não tinha realmente escolha.

Eu contei tudo, como colocaram meu cérebro em um corpo Fin, como me infiltrei na Hegemonia. Como eu, e outros como eu, vínhamos espionando-os para o império. Ela ouviu em silêncio, e só falou quando eu terminei.

- Eu achei que poderíamos ficar juntos. - Todo seu corpo exalando tristeza, revolta, mas não surpresa - Tudo que você tinha a fazer era passar os relatórios e provar que continuava confiável.

Uma arma estava em sua mão, eu não vi de onde ela tirou. Seu rosto era duro, resoluto.

- Arnold Smith, em nome do Império Humano, eu declaro sua missão encerrada.

Um Alien numa Terra Alien 3/5 - Capítulo II

Agridoce. A palavra humana me veio a mente quando buscava um termo adequado, humano ou Fin, para descrever meus sentimentos enquanto estava com Saath. Foram os melhores dias de minha vida. E os piores.

No primeiro ciclo curto eu ainda conseguia me iludir dizendo que estava apenas cumprindo meu dever, de me aproximar de uma Fin para obter informações estratégicas. Se nós demonstrávamos uma afinidade cada vez maior, se estar com ela fazia minha vida na terra parecer cada vez mais distante e alienígena, não eram apenas provas que minha missão estava avançando conforme previsto?

Foi só no segundo ciclo curto que eu tive que me confrontar com a verdade. Foi quando recebi as primeiras ordens para começar realmente a espionar.

- Nosso gargalo logístico? Neste momento, provavelmente ainda é a conversão das indústrias. Acreditamos que o flagelo se expande mais rápido e é mais produtivo que nós, mas temos uma enorme base instalada de indústrias não bélicas. - eu perguntava e ela respondia abertamente, como se não estivesse revelando segredos cruciais.

- Nossa prioridade? Com certeza, adquirir a iniciativa na guerra. Até agora, temos apenas reagido, mas em dois ciclos longos, teremos a nova frota pronta para operar. Isto vai mudar o rumo da guerra, tenho certeza - eu cuidava para esconder minha frustração, cada vez que ela respondia abertamente as minhas perguntas, sem aparentar suspeita e sem esconder nenhuma informação. Minha vontade era dizer que ela não podia revelar segredos desta forma. Ela não sabia que a Hegemonia já tinha provas concretas de que havia espiões em seu meio? Que estes segredos que ela me revelava sem hesitação poderiam representar o fim de sua civilização?

Naquela noite, eu passei meu primeiro relatório sobre a operação. "Aproximação bem-sucedida. Fin reticente em repassar informações estratégicas. Nenhuma informação relevante obtida até agora. Prosseguindo com contato.". Era melhor esperar mais alguns dias e validar antes de passar informações falsas ou incompletas, foi a justificativa que dei para mim mesmo. Eu não me convenci. Não convenceria o Império também.

No terceiro ciclo nossa relação foi para um novo patamar. Contatos íntimos, foi a descrição contida nas ordens que eu havia recebido. Contatos íntimos. Só humanos descreveriam desta forma tão simples, mas mesmo em Fin não havia uma expressão que fizesse jus ao que compartilhamos.

Estávamos em seu apartamento. Um termo estranhamente adequado. Nos mundos periféricos os Fin viviam integrados em comunidades, sem nada que parecesse uma casa ou pertencesse a uma pessoa em particular, mas nas suas grandes cidades industriais eles viviam não muito diferente dos humanos, cada Fin com seu apartamento, em grandes edifícios que poderiam bem fazer parte de uma cidade humana.

Os Fin raramente ingerem bebidas ou drogas, mas reagem de forma muito mais direta a outros estímulos. Entrar no apartamento de Saath me fez lembrar nosso primeiro encontro. Tudo nele parecia transmitir e amplificar a presença dela. Odores semelhantes aos que ela gostava de transmitir, sons em diferentes frequências especialmente modulados, que lembravam sua voz.

Nós passamos horas ali, e pouco me lembro do que falamos. Lentamente, quase sem eu perceber, nossos corpos se tocaram, e eu senti pequenos fluxos de eletricidade navegarem entre nós dois. Depois, nossos tentáculos sanguíneos se encostaram, e começaram a trocar sangue. Quando vi, minha pulsação e a dela eram só uma, o sangue circulando por dois corpos como se fossem um, um sofisticado processo de troca de DNA transformava nossos corpos. Naquele instante, eu era Fin, e toda minha identidade humana era apenas um sonho distante.

No dia seguinte, recebi a ordem de matá-la.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Um Alien numa Terra Alien - Capítulo I

Capítulo I

Bastava eu fechar os olhos para vê-la como estava no dia em que a conheci, sentada absorvendo a luz do sol, a pele em um ligeiro tom castanho, uma tonalidade que eu nunca havia visto igual.

"Estou lembrando novamente o que aconteceu para ter certeza que não vou esquecer nada, na próxima vez que relatar minha história para os psicólogos", eu menti para mim mesmo.

Ela sorriu, me convidando para sentar ao seu lado, quando me aproximei. Não, sorrir é um termo inadequado. Ela de fato sorriu, o rosto Fin curiosamente semelhante ao humano na capacidade de expressar emoções, mas foi muito mais que isto. Os transmissores de odor liberando um quase imperceptível sinal de aceitação, os tentáculos de ataque se retraindo para mostrar confiança, a cor de sua pele se tornando ligeiramente mais clara.

Foi ensurdecedor. Não realmente ensurdecedor, pois não houve nenhum som. Não havia uma analogia humana para descrever. Há 5 anos eu vivia, disfarçado, entre os Fin, mas todos meus contatos eram - e eu sempre sabia que permaneceriam - profissionais. Será que a diferença era por eu saber que minha missão era me aproximar dela?

As respostas automáticas de meu corpo começaram assim que me sentei ao seu lado. O fluxo sanguíneo aumentou, escurecendo minha pele, certamente com meu estado de ansiedade vísivel para ela. Se eu tivesse um coração, ele estaria batendo acelerado. Ela emitiu novos sinais pelo odor, ainda sutis, mas deixando claro que percebia e apreciava minha reação.

Eu estava agindo como um Fin adolescente, o que era compreensível. Como Fin eu realmente era ainda uma criança, e estava lidando com reações automáticas do meu corpo que eu nunca havia vislumbrado antes. Um misto de vergonha e medo de comprometer meu disfarce só tornaram o turbilhão de emoções ainda mais confuso.

Ela encostou a mão em meu braço e deslizou até minha mão, um gesto quase humano, os pequenos tentáculos fazendo o papel de dedos. Um sinal para me acalmar. Simpatia, um tom maroto, um leve toque de malícia. Ela transmitia sinais emotivos com uma velocidade e sutileza tal que eu mal conseguia acompanhar. Em ambientes formais - que era quase só o que eu conhecia até então - os Fins se esforçavam para transmitir mensagens definidas e sem ambiguidade. Eu não estava preparado para este tipo de contato.

- Um soldado, uma de nossas defesas vivas contra o flagelo - sua voz também era diferente, e levei um segundo para entender por quê. Junto com o som das palavras, uma segunda onda, em frequência quase inaudível, acompanhava sua fala, como se acariciasse cada palavra. Como explicar em palavras humanas? Era como se ela falasse em uma voz sedutora, mas - como todas as tentativas de descrevê-la - esta era só uma analogia grosseira.

- Meu nome é Ralph, quarto cantor das sombras de Amarth, terceira geração de Fins do mundo de Alar. Eu sou realmente um soldado, em licença por alguns ciclos curtos. Como soube?

- Meu pai era um soldado, assim como toda minha família, menos eu. Eu sei reconhecer um de longe, o treinamento faz vocês perderem a naturalidade, é quase como se estivessem tentando deixar de ser Fin. - ela sorriu novamente. Aceitação, malícia, mas uma sutil mensagem de tristeza, principalmente pelo odor, que se ampliou até disputar espaço de igual para igual com as outras emoções. - mas estou sendo indelicada. Meu nome é Saath, quinta luz da cidade de Dath, primeira - aqui uma ligeira hesitação - primeira e última geração de Fins do mundo de Rarth.

- Eu sinto muito - Rarth, Colônia 7, o mundo que destruímos no início da guerra.

Nós conversamos por toda aquela tarde. Ela me disse que havia perdido toda sua família. A maior parte em Colônia 7. O pai e um irmão nos meses seguintes, em batalhas. Ela me contou que estava atuando em um ciclo tático, e tinha esperança de ser elevada para um ciclo estratégico, onde poderia contribuir de verdade na luta contra o flagelo.

Ao final do primeiro dia, nosso contato estava estabelecido, e marcamos de nos ver no dia seguinte. Provavelmente meus superiores queriam que eu conseguisse algum tipo de acesso a informações estratégicas privilegiadas. Sob qualquer ótica, meu primeiro contato com a Fin foi muito bem sucedido.

Por que, então, eu me sentia tão mal?

É claro que hoje eu sei a resposta.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Menção-honrosa no Fantasporto 2012

http://contos-fantas.blogspot.com/2011/11/e-os-vencedores-sao.html

Mais de 100 autores, publicação no Brasil e Portugal.

Considerando que praticamente comecei a ler ficção científica em português de portugal, estou particularmente feliz com a menção-honrosa e curioso para ver a Antologia Fantasporto 2012 impressa.