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FICÇÃO CIENTÍFICA  -  FANTASIA  -  TERROR.


sábado, 20 de outubro de 2012

Viajantes das Dimensões

Prólogo
   O Doutor Shapiro colocou os óculos para ler o relatório a sua frente, a mão escondendo um bocejo. Ele bebeu, distraído, uma xícara de café que sua secretária lhe trouxe.
   - Ele que escreveu isto?
   - Sim, doutor. Ele passou a manhã escrevendo, depois que acordou dos sedativos, e disse para entregar ao senhor. Pediu para que lesse antes de falar com ele.
   O Doutor Shapiro coçou a cabeça, passou os olhos uma vez mais pela folha, e suspirou. O louco havia sido preso, há dois dias, por perturbar a paz, e trazido para o hospício. Desde então, ele pedia todos os dias para falar com o psicólogo chefe.
   - Um caso fascinante. Tomara que nos permitam estudá-lo, estou curioso em saber como ele criou uma história tão bizarra - O Doutor se levantou – você chegou a ler?
   - Não, ele disse que era apenas para o senhor. Do que se trata?
   - Apenas uma história. Quer dizer, para nós é uma história. Para ele, quem sabe?

A História que o Doutor Shapiro Leu
   Prezado Doutor, eu não sou louco, embora esteja certo que irá me considerar, após ler minha história. Mesmo assim, peço que tenha paciência e leia até o final. Há coisas que preciso contar a alguém.
   Tudo começou há cerca de um ano, quando um amigo de faculdade me convidou para conversar. Eu e Alex éramos bastante próximos, e nos formamos juntos em física no ano anterior, mas eu não o havia visto desde então.
   Nos encontramos em um bar e sentamos em uma mesa para beber e conversar, mas foi mais ele que falou. Assim como eu, hoje, naquele dia era ele que tinha uma história para contar.
   - Você se lembra do experimento que fomos voluntários, no último ano da faculdade? - Logo depois de nos cumprimentarmos e sentarmos a mesa, ele foi logo trazendo este assunto. Eu olhei para ele, com um ar de nítida curiosidade.
   - Você quer dizer, o experimento daquele cientista? Eu não fui voluntário, você participou sozinho. Lembra que eu disse que achava uma loucura entrar neste tipo de coisa?
   - Que seja. Bom, então talvez você não saiba, mas era um experimento de viagens através das dimensões.
   - Bom, eu te avisei que o cara era doido.
   - Talvez até fosse, mas a teoria dele era muito bem embasada. Você sabe que existem infinitos universos paralelos... Quer dizer, aqui acho que ainda é uma teoria. Não importa. O fato é que existem infinitos universos coexistindo, incapazes de se encontrarem, exceto no nível subatômico.
   - Olha, Alex, a gente estudou algumas teorias sobre isto, mas não é como nos filmes de ficção científica. Quer dizer, não vai vir nenhum monstro de uma terra paralela e sentar-se à mesa junto com a gente.
   - E se eu lhe disser que já veio? Que está sentado aqui na mesa com você? Quer dizer, tirando a parte de eu ser um monstro, é claro.
   - Ah, é? Quer dizer, você não é o Alex que eu conheço, mas algum Alex de uma terra paralela que veio nos visitar? A gente já teve conversas malucas, mas você realmente está inspirado hoje.
   - Quando terminou a segunda guerra mundial? Eu vi na Internet que foi em 1945. No meu mundo a guerra se arrastou até a metade da década seguinte. Éramos aliados dos alemães até o início dos anos 50, ao contrário daqui. Posse te falar de uma centena de diferenças como esta, isto que nossos mundos são muito parecidos, comparado com o que tenho visto por aí.
   - Hummm, sei. Suponho que agora você vai tirar uma enciclopédia do seu mundo para me provar que está falando a verdade, ou pelo menos que colocou mesmo esforço nesta brincadeira. Quer dizer, se você fosse um viajante dimensional e quisesse me convencer, teria trazido pelo menos uma prova, certo?
   - É impossível trazer qualquer objeto físico, e eu não estou tentando convencer você de nada. Ocorre que não se viaja entre as dimensões do jeito que você está imaginando.
   - É? Ok. Já entendi que vou ter que entrar no jogo. A pergunta que obviamente você quer que eu faça é: como se viaja entre as dimensões?
   - Com a mente. Na verdade. tudo começou com o tal experimento que lhe falei. Este cientista era um gênio, provavelmente o Leonardo Da Vinci do nosso tempo. Vocês têm um Da Vinci? Claro que sim - ele se interrompeu e respondeu para si mesmo – se o desvio fosse tão antigo nossos mundos não seriam tão parecidos - Eu ouvi em silêncio, disposto a descobrir até onde ele iria chegar com esta história.
   - Bom - ele continuou - ele tinha doutorado em computação, física e psicologia, e seu estudo começou com uma análise da capacidade de processamento necessária para criar uma alma.
   - Ah, sei - Eu disse. Meu tom claramente mostrando que já estava cansando desta elaborada brincadeira.
   - Ele conseguiu provar que, para existirmos, a capacidade de processamento necessária teria que ser infinita. Nenhum computador, não importa com quantos circuitos, conseguiria ter a consciência que nós temos, a existência que temos. Quer dizer, ele poderia ser absolutamente indistinguível de um ser humano, mas não haveria uma alma nele.
   - Ei, ei, ei - eu estava disposto a ouvir em silêncio para descobrir até onde ele iria chegar, mas não me contive e interrompi - se você não consegue distinguir um ser humano de um computador, você tem que aceitar que se um tem alma, o outro tem também.
   - Exato. Você não consegue saber se uma máquina ou um ser humano tem alma. O único ser que você sabe que existe é você mesmo. Você sabe que por trás de seus olhos existe um 'SER'. Este professor chamava de um 'observador', o piloto de seu cérebro, a pessoa que existe e pensa e está aqui, neste momento, falando comigo.
   - Ok, e naturalmente eu não tenho como saber se as outras pessoas existem, correto? Poderiam ser todos simulações de computador, ou delírios da minha mente.
   - Mais que correto, este é o ponto. Na maioria das vezes, as outras pessoas realmente não existem.
   - Cara, por favor me diz que isto é só uma piada muito elaborada. Se eu começar a acreditar que você acredita em alguma coisa disto, juro que ligo para sua família para avisar que você entrou em um surto bipolar ou algo do tipo.
   - Deixe-me terminar, está bem. Depois você decide se estou ou não estou louco.
   Eu concordei, e ele continuou.
   - Para existir uma alma, como estava lhe dizendo, a quantidade de processamento necessária é infinita. Mas você sabe que existe pelo menos uma alma, a sua própria. As outras pessoas poderiam ser produzidas por um computador, por uma realidade virtual, ou ser um sonho seu. Assumimos que eles também têm alma porque nós temos, e eles se parecem conosco. Assumimos a alma das outras pessoas por analogia, já que nós temos uma.
   - E elas não têm?
   - Elas têm, da mesma forma que nós, só que podem não estar aqui. Na verdade, neste bar, nesta dimensão, as únicas almas presentes são as nossas duas.
   - E as outras pessoas?
   - As almas delas estão em qualquer outra dimensão. A única forma de gerar uma alma é com uma quantidade infinita de processamento, e isto é feito com uma quantidade infinita de cérebros. Todos os Alex Santos, de todos os universos, fazem com que a minha alma exista, e ela está aqui, neste momento, falando com você.
   - E os outros Alex?
   - Quem se importa? São como máquinas, eles só são importantes porque fazem a minha existência.
   - Ok, então só existe um Alex, e ele está aqui falando comigo. Mas não é o mesmo Alex que eu conheci?
   - Exato. O Alex com quem você conviveu toda sua vida nunca existiu. Ele era apenas uma parte do ininito conjunto de cérebros que garante minha existência.
   - E como você veio parar aqui, agora?
   - Eu passei um mês fazendo exercícios de meditação, tomando alguns remédios, realizando uma série de experimentos. Eu achei que não tinha nada de mais, que era só um jeito fácil de ganhar alguns créditos a mais no curso. Na verdade, como você está pensando a meu respeito, eu achei que aquele pesquisador era completamente pirado.
   - Tá, mas agora eu me perdi. Você ficou fazendo meditação para quê?
   - Simples, só havia uma forma de provar esta teoria. Se tomássemos consciência de que nossa alma habita infinitas mentes, em infinitos universos, porque não poderíamos viajar de um universo para outro, assumir o corpo de um Alex ou outro?
   - E o que aconteceria com este Alex?
   - Nada, ele nunca existiu. O Alex que você conheceu sua vida inteira nunca foi real, assim como o amigo que eu conheci. Você que é real, assim como eu, e esta é a primeira vez que realmente nos encontramos.
   - Ok, então, como você começou a viajar pelas dimensões? Suponho que tenha sido depois de tomar um alucinógeno.
   - Não. Eu simplesmente descobri, um dia, quando fui no laboratório, para mais um dia de experiências. A sala dos experimentos estava vazia, e ninguém nunca ouviu falar da pesquisa ou do cientista.
   - Ah, bom, isto faz sentido. Cara, eu já estava preocupado. A história foi boa, eu admito. Fico imaginando sua cara de idiota quando descobriu que era tudo uma armação.
   - É, foi o que eu imaginei inicialmente, que fui vítima de uma piada. Até me dar conta que as ruas estavam diferentes, e que não existia Internet, e uma série de detalhes semelhantes. Foi aí que eu percebi que o experimento deu certo.
   - E você veio parar aqui? Bom, eu lamento lhe dizer, mas a Internet existe sim, eu estava acessando hoje à tarde.
   - Existe aqui, não no primeiro mundo que viajei. No início foi muito desorientador, eu acordava em um mundo diferente a cada dia, às vezes estava em outro mundo ao entrar ou sair de um prédio. Eu achei que estava enlouquecendo, até entender que estava apenas tendo uma visão real de como a existência é.
   - E você espera que eu acredite nisto?
   - Não, eu apenas vim lhe contar para prepará-lo. Quando você aceita que é um viajante das dimensões, tudo fica mais fácil. Você vai acreditar quando sair por aquela porta - ele aponta para a saída do bar - e descobrir que está em um mundo diferente do que quando entrou.
   - E por que eu iria viajar entre as dimensões, também? Você participou sozinho do experimento.
   - Pelo visto, aqui, sim. Em meu mundo, nós participamos juntos. Isto significa que um dos cérebros que compõe a sua existência se tornou consciente da realidade entre as dimensões. É tudo que é necessário para você se tornar um viajante.
   Ele se despediu, dizendo que não precisava continuar me convencendo, que eu iria descobrir sozinho. Eu saí do bar e me vi cuidando os detalhes da rua, mas nada estava diferente, e eu me perguntei quando ele me ligaria para pegar no meu pé, dizer que eu tinha quase acreditado na história dele.
   Dois dias depois, eu liguei a teve, e a programação era toda ela em espanhol. Foi quando eu descobri que ele estava falando a verdade.

Epílogo
   - Bom, meu jovem, como é seu nome?
   - Pedro. Você leu minha história, Doutor Shapiro?
   - Eu li. Você tem uma excelente imaginação, e escreve muito bem.
   - Obrigado. O mais importante é que tenha lido.
   - Por que é tão importante que eu leia? Você passou estes dois dias pedindo para falar comigo.
   - Doutor, eu não tenho mais tempo. Em alguns minutos vou piscar os olhos e terei partido. Vai ter uma pessoa no meu lugar, o verdadeiro Pedro deste mundo, e ele não vai saber o que está fazendo aqui.
   - Você vai viajar para outra dimensão? - "será um caso de múltiplas personalidades", o Doutor Shapiro pensou, em silêncio.
   Pedro não respondeu a pergunta, apenas entregou um papel dobrado em quatro para o médico - Doutor, existe apenas uma coisa que eu não contei na história. Está escrito aqui. Quando estiver pronto, leia.

       -      -        -

   O Doutor Shapiro queria ter jogado o papel fora, mas deixou-o no bolso, sem olhar para ele. A tevê, na sala, ligada, passava um jogo de futebol, e o médico agora estava no quarto, segurando a folha de papel, ainda sem desdobrar.
    O Doutor não estava preocupado pelo fato das coisas terem acontecido exatamente como o paciente tinha lhe dito. Nem pelo fato de todos os exames de Pedro - que não se lembrava de nada - terem dado absolutamente normais. Nada disto havia perturbado o Doutor Shapiro, e ele já teria esquecido a história na hora que saiu do consultório.
   Só que, na manhã daquele dia, ele havia comentado do novo cabelo ruivo de sua secretária, e ela havia respondido que seu cabelo sempre fora daquela cor. Isto o incomodou durante todo o dia, e ele se pôs a procurar detalhes diferentes, como na história que leu. No início ele disse que era só sua imaginação. Quando chegou em casa, ligou a teve, que passava os mesmos programas que ele esperava ver. Leu um jornal que tinha as mesmas notícias que ele estava acostumado, enquanto seu gato siamês preto sentava em seu colo, como sempre fazia.
   O gato que sentou em seu colo era um persa de pelo claro.
   O Doutor Shapiro foi até seu quarto e trancou a porta. Sentou-se na cama, e tirou do bolso o papel que Pedro havia lhe dado.
   As mãos do Doutor tremiam enquanto ele desdobrava a folha.
   "O nome do cientista que conduziu os experimentos era Doutor Shapiro".



4 comentários:

  1. Respostas
    1. Ola.
      O conto foi escrito por mim, Rodrigo de Losina Silva. Sou também o responsável pelo blog. Todos os textos aqui são de minha autoria.
      Um abraço.

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  2. Essa história é muito boa porém contém um erro de cânone

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