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sábado, 27 de outubro de 2012

Nós Comemos Carne

   O Senhor Rex ajustou os óculos e respirou fundo, antes de começar a falar. As mãos pequenas seguravam com dificuldade seu discurso, enquanto seus colegas no plenário aguardavam em silêncio.
   - Senhoras e senhores, meus amigos, o que tenho a dizer é polêmico, eu sei, mas tem que ser dito. É uma verdade que não podemos mais ignorar.
   A platéia estava atenta, e o Senhor Rex sabia que cada palavra era importante. O contraponto seria feito pelo Senhor Sansão, e ele era feroz em seus ataques. Qualquer brecha em seus argumentos seria utilizada impiedosamente contra ele.
   - Sob todos os aspectos - o Senhor Rex continuou - nós somos a mais avançada civilização que já habitou este planeta. Não me refiro apenas a questões tecnológicas, embora hoje possamos dizer com segurança que atingimos um patamar tecnológico que supera até mesmo o existente antes da grande guerra - ele pode perceber, neste momento, a surpresa em alguns dos presentes, especialmente os mais velhos. Todos conheciam bem a história da civilização consumista que quase destruíra o planeta, e desaparecera por completo na última grande guerra. Embora não houvesse um que não repudiasse seus excessos, as conquistas tecnológicas de então permaneciam como um referencial do apogeu que uma civilização poderia chegar.
   - Sim, eu afirmo, sem medo de errar, que nossa tecnologia superou inclusive o ápice atingido no assim chamado século XXI. Não colocamos os pés na Lua, alguns dirão, e é verdade, mas hoje sabemos que tal feito foi apenas um exemplo das extravagâncias e desperdícios daquela época. Não falta muito para fazermos nossa própria viagem tripulada ao satélite, e quando o fizermos, será com naves mais confiáveis, mais baratas, e com menor custo ambiental que qualquer uma que já viajou pelo espaço.
   - Não temos guerras, como bem sabem. Sabemos o preço de uma guerra, sabemos quão perto nosso mundo esteve de desaparecer. A civilização do século XXI não teve este referencial para se basear, pode também ser dito, e é um argumento válido, mas irrelevante para o que vou dizer. No final das contas, se a dura realidade de sobreviver, evoluir e construir uma civilização em um planeta devastado nos fez amadurecer mais, só torna mais importante que mostremos este amadurecimento em todos os aspectos de nossa vida, de nossa cultura e de nossas leis.
   - Não poluímos nosso meio ambiente, e o mesmo argumento se mostra válido aqui também. Sabemos que, mesmo sem a grande guerra, o mundo já caminhava a passos rápidos para sua destruição naquela lendária época chamada século XXI.
   - Não temos escravos, não exploramos outros povos, lutamos arduamente para reconstruir o ecossistema e repovoar um mundo em que praticamente todas as espécies animais desapareceram.
   - Porém - e aqui o Senhor Rex deu a entonação que deixava claro que era o ponto que desejava chegar com sua argumentação - porém, meus amigos, nós comemos carne!
   - Sim, meus colegas, se há um aspecto de nossa civilização que em nada se mostra mais evoluída que a que nos precedeu, é este. Nós comemos carne, como comiam no lendário século XXI. Ouso dizer que aqui estamos até mais atrasados que eles, que já viam surgir, então, movimentos a favor do vegetarianismo.
   - Este é meu ponto, e não o defendo com argumentos pragmáticos, embora estes não faltem. Com bois, galinhas, porcos e quase todos os grandes mamíferos extintos, sabemos que nosso custo ambiental para produzir um quilo de carne em nossas fazendas é muito maior que nas antigas fazendas de outrora.
   - Legisladores, meus colegas e amigos, aqui, mais que qualquer questão pragmática, temos em mãos uma questão ética. Se nossa civilização quer, de fato, se mostrar superiora, se queremos defender que evoluímos para além de nossos antigos senhores, é fundamental que promulguemos, de imediato, o fim das fazendas de animais e a proibição do comércio e consumo de carne.
   Houve aplausos, mas não tantos quanto o Senhor Rex esperava, e o silêncio tomou conta do plenário quando o Senhor Sansão se levantou para apresentar seu contraponto.
   - Se existissem bois, Senhor Rex, talvez eu concordasse com o senhor, mesmo considerando quão mais eficiente seria a utilização dos mesmos para a produção de carne. O mesmo para porcos e galinhas, como mencionaste, e centenas de outras espécies extintas. Se este fosse nosso alimento, talvez se justificasse tal argumento, e devo lembrá-lo que nós, cães, não somos herbívoros, pouco importa quanto tenhamos evoluído nestas dezenas de milhares de anos.
   - Mas acabar com nossas fazendas, fazermos o sacrifício de mudar nossas dietas, considerando o tipo de animal que é a base de nossa alimentação? Ora, Senhor Rex, faça-me o favor. Não estamos falando de inocentes porcos e galinhas, e ninguém jamais vai fazer uma lei para nos impedir de comer carne por pena justamente do animal que quase destruiu nosso planeta.

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