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sábado, 21 de janeiro de 2017

Junto com a Tempestade, Eu Vim

   Junto com a tempestade, eu vim.

   Cavalguei por toda a noite, viajando tão rápido quanto pude. Cheguei à vila nas fronteiras do mundo conhecido antes do sol nascer, enfrentando o vento e a chuva. Alguns aldeões me aguardavam à porta da grande casa em seu centro, os rostos fixos no chão, a tristeza palpável no ar. A chuva e a escuridão tornavam impossível confirmar, mas eu sabia que eles choravam pela criança.

   Um raio cruzou o céu, e eu segurei firme as rédeas de meu cavalo antes que o trovão se fizesse ouvir. Com uma voz mais alta que a tempestade eu me apresentei, embora sem dúvida já estivessem esperando por mim, e perguntei a direção a seguir.
 
   Um ancião apontou com o braço, e eu prossegui em meu caminho, enquanto eles se abrigavam.

   A vila era tão pequena que não demorei a chegar a meu destino. A casa da criança era frágil e humilde, em uma vizinhança de casas igualmente pobres. Atrás dela, era possível ver o cemitério, incontáveis lápides iluminadas a cada vez que um raio cruzava a noite.

   Na frente da casa um homem me aguardava, encharcado, ajoelhado no chão. Há quanto tempo estaria ali?

   Eu desci do cavalo, sem nada dizer, e me agachei a seu lado. Ele se pôs a falar, sem olhar para mim.

   “Eu achei que iria perdê-la, quando nasceu. Tão frágil, minha pequena flor, tão frágil que pensei que iria se juntar a sua mãe, que não viveria para ver a luz do sol”.

   Ele secou os olhos com as costas da mão direita – um gesto talvez sem sentido em meio a chuva que caía incessante sobre nós – e continuou.

   “Mas ela não aceitou este destino. Não no primeiro dia, em que respirar parecia um sacrifício sem fim, nem em todos os dias que se seguiram. Quando enterrei minha mulher, achei que a enterraria na mesma semana, depois no mesmo mês, mas ela resistiu, enfrentou um dia após o outro”.

   Ele esperava que algo eu dissesse? Uma palavra de conforto? Uma mão amiga em seu ombro, ou uma explicação para confortar seu luto? Eu não tinha nada a dizer.

   E ainda assim, em silêncio, o ouvi falar. Havia tempo.

   “Por fim, chegou o dia que me dei conta que ela viveria, que um milagre realmente havia acontecido. ”. Ele olhou para mim, o rosto tomado de indescritível dor. “Se você apenas a visse quando começou a andar. Parecia que, em apenas um instante, meu bebê havia se transformado em uma menina, correndo por entre as casas, subindo em árvores, brincando com as outras crianças, sempre sorrindo. Sempre tão cheia de vida”.

   Fiz menção de me levantar, e ele apressou sua história.

   “É atrás de nossa casa que minha esposa está enterrada. Eu a levava para ver sua mãe desde que ainda era um bebê de colo, mas assim que começou a andar ela passou a ir sozinha. Todos os dias, sempre levando flores novas, ou uma pedra colorida que encontrou, um vaso de argila que ela própria fez. Todos os dias, pela manhã, ela fazia sua visita, sempre com um presente. ”.

   Deveria dizer que sentia muito? Será que ele consideraria como um sinal de respeito por seu luto? Ou como palavras vazias?

   “E agora uma segunda sepultura está cavada ao lado da de minha mulher, pronta para receber o corpo de minha filha. Por quê? Por que pela manhã eu terei que enterrá-la? ”.

   “Pessoas vivem. Pessoas morrem”. Respondi enquanto me levantava. “Quando uma criança morre para que outros vivam, não deveria ser isso motivo de orgulho para seu pai? ”.

   “Mas por que ela? Ela é apenas uma criança! ”

   “A escolha foi de vocês, não minha”. Com estas palavras, virei as costas para o pai e entrei na casa.  Abri um sorriso quando vi a criança, dormindo em uma coberta, no chão, e senti minhas presas começando a se revelar em minha boca.

   “Para mim, o sangue de qualquer virgem serviria”.

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