"Em retrospecto, não fazia nenhum sentido. Cair em um outro planeta praticamente igual a Terra, pilotando uma nave que mal conseguiria viajar até a lua? Qual seria a explicação para eu ter chegado até lá? Teria minha nave cruzado algum tipo de dobra dimensional, como nos filmes? Por coincidência a gravidade seria tão parecida a ponto de eu não perceber a diferença? Ar respirável, pressão normal? Mesmo aceitando tudo isto, o que explicaria a comida ser comestível? Uma evolução paralela que resultou nas mesmas divisões em plantas e animais, utilizando as mesmas estruturas celulares, os mesmos aminoacidos gerando as mesmas combinações de DNA, e resultando em seres equivalentes a répteis e mamíferos? Mesmo naquela época, eu sabia o suficiente para compreender que seria impossível. Se eu apenas parasse para pensar, perceberia que mais parecia um filme de ficção-científica de meados do século XX. O curioso é que eu nunca questionei, apenas aceitei o que vi e vivi como realidade."
* * *
- Estamos descendo muito rápido - Correia estava suando. Ele estava monitorando a temperatura do casco, que aumentava mais e mais. Já havíamos passado muito dos limites seguros.
- Eu sei - eu respondi - mas não podemos fazer nada por enquanto. A nave vai ter que aguentar. Resende, algum contato?
- Nada. Mesmo antes de começarmos a descer, só captei estática. É como se não houvesse ninguém transmitindo.
- Talvez não haja. Vocês viram o que eu vi. O planeta, eu quero dizer.
- Deve ter sido uma ilusão de ótica. As nuvens, talvez, não deu para ver bem, mas tem que haver uma explicação racional - Resende tentava se apegar a alguma esperança. Correia só se concentrava na temperatura do casco, que continuava subindo.
- Eu já estive uma dúzia de vezes no espaço, Resende. Você também. Não existe nenhum continente na forma daquele que a gente viu. Não na Terra.
- Dois minutos - Correia falou - se aguentarmos mais dois minutos, acho que vamos conseguir.
- E o que você está sugerindo? Que apareceu um continente novo do nada? Onde você acha que nós estamos? - a voz nervosa, quase histérica, de Resende, contrastava com o tom controlado meu e de Correia. Suponho que cada pessoa tenha seu jeito próprio de encarar a morte.
- Eu não faço a menor ideia de onde estamos. Eu só sei que, seja onde for, não é na Terra.
Correia me interrompeu - os sistemas estão entrando em curto. Não sei mais que temperatura está o casco.
Nisto, as luzes se apagaram por um instante. Quando voltaram, a cor era ligeiramente diferente. Iluminação de emergência.
- Quanto tempo ainda? - perguntei.
- Está terminando, mais uns segundos, e vamos começar a sair da zona crítica - a voz de Correia contida, ele não querendo se dar esperança cedo demais - só mais uns segundos.
- Nós vamos conseguir, nós vamos conseguir. - Resende começou a repetir, em voz baixa, como se fosse um mantra.
- Não basta a nave resistir a temperatura. Se os motores não funcionarem, não vamos conseguir controlar o pouso - eu não queria trazer mais preocupações, mas era verdade. Os motores não foram preparados para resistir a uma temperatura tão alta. Nesta hora eu desejei que estivéssemos em uma daquelas naves antigas, aquelas que pousavam com um para-quedas.
- Passamos o pior - Correia falou, finalmente relaxando os ombros e soltando um suspiro - a temperatura deve estar começando a baixar agora.
- Assim que achar seguro, libere as câmeras. Não quero ligar os motores antes de poder enxergar alguma coisa lá fora.
- Liberando sensores em 3, 2, 1. Ok. Funcionado, estamos com sensores externos. Rezende, o que você consegue identificar?
- Ainda estamos muito rápidos, e perdendo altitude. Estamos em cima de um oceano. O computador está identificando nossa posição neste momento... Falha. Ele não está conseguindo mapear. Deveríamos estar no meio do Pacífico, mas estou vendo um continente a frente - Rezendo olhou para mim - acho que você está certo. Isto aqui não é a Terra.
Eu não respondi, estava ocupado demais ligando os motores.
- Sistema checando os motores neste momento. Teste geral OK... Não, agora apareceu uma mensagem de erro não identificado.
- O que vamos fazer?
- Não temos muita escolha, vou ligar mesmo assim.
Eu respirei fundo por um instante, antes de ligar os motores, imaginando se não iríamos simplesmente explodir. Mas não, eles ligaram. O isolamento era tal que não sentíamos nem uma vibração, só podíamos saber que estava funcionando pelo aviso do sistema.
- Continua aparecendo uma mensagem de falha não identificada, mas o computador já está controlando o voo. Ele está me dando um aviso para pousar imediatamente.
- O que fazemos? - Agora até Rezende estava aparentando alguma calma, relativamente falando. Pousar uma nave com defeito era algo mais da nossa experiência, e mais sob nosso controle do que simplesmente ficar aguardando sem fazer nada enquanto torcíamos para não virarmos uma bola de fogo.
- Vou obedecer o computador. Estou programando para ele pousar no primeiro lugar que conseguir. Não sei o que há de errado com os motores, nem sei o que mais da nave pode estar comprometido. Ele está informando que o pouso vai acontecer em uns 5 minutos.
A tensão foi diminuindo. Ainda não estávamos fora de perigo, mas parecia que íamos sobreviver. A única coisa é que isto também significava que íamos ter que começar a lidar com o fato que estávamos em algum outro planeta.
- Escapamos desta vez - Correia falou, soltando outro suspiro - achei que não íamos conseguir.
- Merda - eu interrompi.
- O quê? - ambos falaram ao mesmo tempo.
- Os propulsores pararam. O computador vai tentar pousar mesmo assim, mas vamos ter um impacto.
- Droga, Correia. Nunca, nunca diga que escapamos antes de já estamas no solo.
Foi a última coisa que me lembro de ouvir de Rezende antes de tudo ficar escuro.
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