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FICÇÃO CIENTÍFICA  -  FANTASIA  -  TERROR.


Ardath em: o Velho e o Demônio


Lucy
   Me chamam de Julio. Eu tenho 12 anos, e não sou diferente de qualquer garoto da minha idade. Pelo menos eu achava que não era, até mês passado. Eu não era da turma dos populares na escola, nem era o melhor jogador de futebol ou o líder da turma, mas também não tinha problemas em fazer amigos. Eu me achava comum.
   Claro, eu apenas achava que era comum.
   Meu verdadeiro nome é Ardath.
   E eu sou um demônio.
   Foi o que disse para a garota na minha frente - Eu sou Ardath, o  demônio - quando ela perguntou quem eu era. Ela parecia ter a minha idade, e não sei como ela me descobriu, quando entrei atravessando a parede da casa como se não existisse. Era noite e tenho certeza que não fiz nenhum barulho.
   Não vi razão para inventar muito, já que ela estava me vendo na minha verdadeira forma, sem disfarces, o rosto vermelho, o cabelo feito de chamas. Surpreendeu-me que ela simplesmente perguntasse quem eu era em vez de gritar ou sair correndo. sua resposta só me deixou mais impressionado.
   - Oi. Eu sou Lucy - ela me estendeu sua mão. Eu hesitei, sem saber o que fazer. Eu sou novo nesta coisa de ser um demônio, mas me parece meio estranho dar a mão para as pessoas. Demônios deveriam ter algum tipo de cumprimento mais assustador, alguma versão macabra de "vida longa e próspera". Sem saber o que fazer, eu segurei sua mão.
   - Ah, oi. Por que você não está gritando ou fugindo? - Eu sei que não soou muito assustador, ainda mais que era óbvio que eu não sabia muito bem como me portar. Eu não sou muito bom como demônio. Na verdade, quem quero enganar? Sou um péssimo demônio.
   A garota, Lucy, porém, parecia muito mais segura de si do que eu - Não tenho medo de demônios. O que você quer, e por que está invadindo nossa casa no meio da noite?
   Novamente hesitei. Definitivamente as coisas não estavam saindo como eu imaginei, e eu estava começando a ficar nervoso. "Existe uma casa. Há um velho nela, ele utiliza hoje o nome de Sir Denis Smith. Entre, encontre-o e mate-o". Esta era a missão, simples assim. Eu já tinha descoberto que Lúcifer não era de dar muitas explicações.
   A garota estava agora com os braços cruzados, parada a minha frente esperando minha resposta, o pé esquerdo batendo impaciente no chão.
   - Eu, ah, eu vim falar com o Senhor Smith. Senhor Denis Smith - finalmente eu gaguejei. Definitivamente nada assustador. Menos que a garota, que me olhava com um olhar furioso enquanto me corrigia – É 'Sir' Denis Smith - Por alguma razão ela começava a me dar medo. Ela daria um demônio melhor que eu, tenho certeza.
   - Tá. Sir Denis Smith. Eu vim falar com ele.
   - É, eu imaginei - ela continuou - Venha, te levo até a biblioteca. Papai está te esperando lá - ótimo, o velho que eu devia matar era o pai dela.
   Eu a acompanhei pelo corredor e uma escada, até pararmos em frente a uma porta, e então ela a abriu e se virou para mim.
   Os lábios dela tremiam agora, ela não parecia mais tão controlada, e piscou algumas vezes. Fiquei com a impressão que estava prestes a chorar, e a voz dela estava meio embargada quando ela falou, antes de me dar as costas e sair pelo corredor afora em passos rápidos.
   - Por favor, não mate meu pai, tá.

Kabet
   Foi Kabet quem me trouxe até a casa de Sir Denis Smith, para que eu entrasse e o matasse. Nós viemos conversando todo o caminho, enquanto o mundo ao nosso redor se transformava, à medida que íamos de um continente para outro, e depois de uma cidade para outra. Viajar pelo mundo das sombras foi uma das primeiras coisas que Kabet me ensinou.
   Era estranho que Kabet fosse o único dos não-vivos que eu me sentisse confortável em conversar. Principalmente porque, de todos, foi ele que mais me assustou quando os conheci. Mas tudo em ser um demônio era estranho e diferente do que eu imaginava, e eu disse isto para ele.
   - É mesmo? Diferente em que sentido? Como você imaginava que iria ser? - Kabet conversava tranquilamente, enquanto viajávamos. Eu imaginei que já não era novidade para ele, ele havia me comentado que era o mais antigo desta encarnação dos não-vivos. Para mim, era fascinante ver casas, ruas e pessoas aparecerem e desaparecerem, enquanto andávamos, viajando através do planeta.
   - Não sei. Acho que eu imaginava que ia me transformar em algum tipo de monstro. Que ia deixar de ser eu. Mas eu continuo sendo o mesmo Julio, e acho que é isto que me assusta - Ele me olhou com uma cara estranha, e eu abaixei meus olhos. Sempre que olhava seu rosto, não conseguia deixar de ver o pedaço de cérebro aparecendo, e isto continuava a me dar uma sensação ruim.
   - Você preferia ter se transformado em um monstro? Por quê?
   Falando assim, parecia mesmo estranho. Não, eu não queria ter me transformado em um monstro, e eu disse isto para ele, e continuei, me explicando melhor - só que não entendo como querem que eu seja como os outros demônios, eu sou só um garoto. Agora, eu devo entrar nesta casa e matar um velho que eu nunca vi? Como que eu vou fazer isto? Eu não quero matar ninguém.
   - Você fará o que desejar fazer, garoto. E terá que pagar o preço de suas decisões, para o bem e para o mal, como todo mundo - Com estas palavras, ele se despediu.
   E eu deixei Kabet para trás e vim para esta casa, para matar um velho. E agora ele estava à minha frente. À minha espera, havia me dito sua filha. Meu coração batia, acelerado.
   - Não fique parado aí, garoto. Entre e feche a porta. Abri um vinho para nós.
   Ao lado de uma lareira ele estava sentado, uma taça de vinho em sua mão, uma poltrona vaga a sua frente, que ele apontava com a mão. O gesto um convite. Em seu rosto um sorriso.
   "Este é o homem que devo matar", eu pensei, enquanto me aproximava.

Sir Denis N. Smith

   - Eu não tenho idade para beber - eu respondi depois de sentar no sofá, recusando a taça de vinho que Sir Denis serviu e me ofereceu.
   Ele sorriu ao me responder - Você é um dos cinco não-vivos, cinco dos mais importantes demônios do inferno. Você recebe suas ordens diretamente do velho Lúcifer. Anjos e homens têm temido o que você é há incontáveis séculos. E você vai recusar meu vinho porque não tem idade para beber?
   - É - eu respondi, simplesmente, encolhendo os ombros. Não saberia o que mais dizer.
   - E você veio para me matar. Aposto que seu chefe não lhe deu nenhuma explicação. Apenas disse para você vir até a minha casa e cumprir sua missão - Sua voz era tranquila, ele não parecia estar preocupado. Eu não sabia se devia confirmar ou negar, então não falei nada. Ele continuou.
   - E Kalith o trouxe até aqui. Ela lhe disse para não perder tempo me ouvindo, e simplesmente me matar assim que me visse.
   - Kabet - Eu respondi com apenas uma palavra.
   - Como?
   - Foi Kabet quem me trouxe. Mas o resto é verdade. Ele disse para matá-lo assim que o encontrasse.
   - Kabet, hein? Interessante, sempre imaginei que Kalith iria prepará-lo para seu papel.
   O velho suspirou, bebeu mais um gole de seu vinho e com um gesto me ofereceu novamente a outra taça, que recusei com um sinal de não.
   - E aqui você está, tendo recusado meu vinho por não ter idade suficiente para beber. Sentado, conversando comigo, quando lhe disseram para justamente não fazer isto. Agora mesmo se perguntando se vai ou não vai ter coragem para me matar. Perdoe-me a sinceridade, mas minha filha daria um demônio melhor que você.
   "Provavelmente sim", eu pensei em silêncio, sem responder ao estranho homem. Cinco minutos com sua filha mais estranha ainda e eu tinha pensado a mesma coisa.
   - E o que você vai fazer agora? Esperar que eu tente fugir ou lutar? Talvez ser obrigado a me matar para se defender? - Sir Denis balançou  a cabeça - Não, não vou facilitar seu trabalho. Pouca importa sua idade, ou há quanto tempo assumiu seu papel, você é um dos mais poderosos demônios do inferno. Eu sou apenas um velho. Você pode me matar estalando os dedos - com um gole, ele esvaziou sua taça. - Se vai fazê-lo, faça-o agora.

Lucy
   Eu saí da biblioteca atravessando a porta sem abri-la, caminhando pelo mundo das sombras como Kabet me ensinou, perdido em meus pensamentos sobre as consequências do que havia acabado de fazer. E dei de cara com Lucy, que pelo visto estava atrás da porta. Caímos no chão, eu por cima dela, o sangue em mim manchando suas roupas. Ela arregalou os olhos.
   - Você o matou! Você realmente matou meu pai.
   Eu tentei me explicar enquanto, ao mesmo tempo, tentava sair de cima dela, quando uma dor aguda me dilacerou por dentro, mais forte do que qualquer coisa que eu já tenha sentido. Eu gritei e me afastei, me levantando cambaleante. Segurei minha barriga com a mão e fiquei apavorado ao ver sangue escorrendo aos montes, escapando por entre meus dedos. Muito mais sangue do que eu tinha me sujado antes.
   Eu estava quase gritando novamente, desta vez por socorro, quando a vi se levantar, uma pequena faca em sua mão, refletindo a luz das lâmpadas do corredor, sangue escorrendo da ponta. Meu sangue.
   Ela veio na minha direção, a faca apontada para meu pescoço.
   Acho que Kabet não vai ficar muito orgulhoso de mim. Ele passou dias e dias me ensinando a dominar meus poderes. Como paralisar pessoas, como fazer o sangue delas ferver, como simplesmente explodi-las com um gesto. Eu não fiz nenhuma destas coisas quando a garota se aproximou. Eu fugi apavorado.
   Entrei no mundo das sombras, atravessando as paredes da casa e depois alterando a realidade ao meu redor, até parar no ponto de encontro com Kabet, um apartamento vazio em uma cidade que eu não conhecia.
   - Você está ferido - foi o único comentário de Kabet, quando desabei no meio do apartamento, e foi dito como se ele estivesse falando sobre o tempo ou meu corte de cabelo, sem ponto de exclamação nem nada. Mesmo assim ele se ajoelhou ao meu lado e rasgou o que restava da minha camisa. Um pedaço das minhas tripas estava saltando para fora da barriga, mas estranhamente a dor já estava passando. Meu pavor não.
   - Você consegue me curar? - Eu perguntei.
   - Provavelmente sim, mas não fica bem demônios começarem a ficar curando as pessoas, mesmo outros demônios - ele se levantou - isto é o tipo de coisas que anjos fazem. Você vai sobreviver, desde que não deixe suas tripas caírem para fora. Fique segurando-as com a mão.
   - Grande ajuda você é - eu disse. A dor tinha passado totalmente, mas eu fiquei pressionando meu ferimento com a mão, sem saber se ele estava falando a verdade ou não - Não vai me perguntar o que aconteceu?
   - E precisa? Você está todo sujo de sangue. A maioria seu, dá para sentir pelo cheiro, mas tem também sangue do velho. – ele interrompeu a fala para dar uma risada de deboche - Pelo visto Lucy não gostou muito que você tenha matado o pai dela.
   - Que tipo de demônio ela é? Você tinha me dito que só tinha humanos naquela casa - enquanto falava eu me levantei tentativamente, devagar. Podia não estar sentindo dor, mas dava para ver que eu precisava continuar segurando alguma coisa. Eu olhei de canto de olho para o ferimento e quase vomitei, minhas pernas querendo fraquejar, e prometi que não ia mais olhar até começar a cicatrizar.
   - Ela não é um demônio. Lamento ter que dizer isto, mas uma garotinha de 12 anos 100% humana quase acabou com você, e ainda o fez fugir com o rabo entre as pernas. Se serve de consolo, o inferno inteiro sabe que ela tem um gênio do cão.
   - Quem é ela? Quem era o velho?
   Kabet ignorou minha pergunta.
   - Venha, vamos trocar sua roupa. Se apresentar a Lúcifer com roupas ensanguentadas até pode ter estilo, mas acho que você se mijou também. Não precisamos que você estrague ainda mais nossa reputação com o chefe.

Kalith
   Kalith me levou para jantar antes de nos encontrarmos com Lúcifer. Ela também curou meu corte no estômago, e me fez trocar novamente de roupas. Primeiro ela gritou com Kabet, por ele não ter me curado ele próprio, e por ter trocado minhas roupas comigo ainda sangrando. Depois gritou comigo por eu ter quase morrido. Eu pensei em tentar explicar que não foi minha ideia deixar uma garota louca me esfaquear, mas achei melhor seguir o exemplo de Kabet, e ficar quieto. Ser um demônio era realmente muito mais estranho que eu podia imaginar.
   - Eu que devia estar treinando você. Se aquela criatura tivesse cravado a faca um pouco mais para cima, você estaria morto, sabia? Ser um demônio não o torna invulnerável, ou nem isto Kabet lhe ensinou? - Ela falava em voz alta, mas ninguém nas outras mesas parecia perceber nossa presença. Dançarinas nuas se contorciam em um palco no centro do salão, e eu não sabia se olhava ou não para elas. No final, passei todo o jantar com a cabeça abaixada, olhando para meu prato. Primeiro eu achei que estava no inferno, mas já estava desconfiando que era um lugar na terra mesmo.
   - Por que você se importa? Kabet não parecia muito preocupado que eu sangrasse até morrer. - na hora que perguntei me arrependi, mas ela já estava segurando minha mão e sorrindo um sorriso sedutor.
   - Todos nos importamos com você, Ardath. Nós somos uma família, nós cinco. E o vínculo entre eu e você é ainda mais forte - eu puxei minha mão e escondi embaixo da mesa. Desde a primeira vez que a vi, ela falava de uma forma sedutora comigo. Como se diz para uma demônia que ela está agindo de forma imprópria? E como você diz que não está interessado sem que ela arranque sua cabeça? Por mais simpática comigo que ela fosse, que todos eles fossem, eles mataram meu amigos. Pedro. Claudia. Os pais de Luiz.
   - Não seja tímido. E não precisa ter medo de mim. Eu não mordo. Você é um demônio que acabou de vir de sua primeira matança. Temos que comemorar. - Ela ergueu uma taça de vinho. Eu não me movi, a taça que ela tinha colocado na minha frente, intocada. Eu tinha quase certeza que era o mesmo vinho que o velho havia me oferecido. A contragosto, ela colocou sua taça de volta na mesa.
   - Quem era a garota? Kabet não quis me dizer - eu perguntei em parte por curiosidade, mas mais para desviar o foco para algum assunto que não fosse eu.
   - Ela não é ninguém - a voz de Kalith agora revelava uma raiva inesperada - apenas uma pirralha que só está viva porque Lúcifer me proibiu de tocar num fio de cabelo dela. Por que você quer saber?
   Isto era estranho. Quem diabos seria a garota?
   - Por que ela não tinha medo de mim? Ela disse que não tinha medo de demônios. E quase me matou. É óbvio que vocês sabem alguma coisa sobre ela, mas ninguém quer me falar.
   - Não há nada para falar sobre ela. Ela não tem medo de demônios porque convive com eles desde sempre. Ela nasceu e cresceu no inferno.Tirando isto, é apenas uma humana mimada e estúpida. Satisfeito? Ou quer saber mais alguma coisa sobre a garotinha? - a forma que ela falou deixava claro que eu não deveria perguntar mais nada. Mas eu ainda tinha uma pergunta que eu realmente precisava saber a resposta.
   - E o pai dela? Quem era ele? Quem foi que eu matei?
   - Ainda não é óbvio? Ele foi Ardath antes de você.

Lúcifer
   Sozinho, eu não teria a menor ideia de como achar Lúcifer. Cada encontro com ele era em um lugar diferente, e parecia que só Kalith e Kabet sabiam onde ele estava em determinado momento. Quando perguntei, Kabet me disse que era para nenhum anjo localizá-lo.
   "Existe um acordo que nenhum anjo pode atacá-lo diretamente, mas Lúcifer acha que eles irão descumpri-lo na primeira oportunidade que ele se descuidar", ele me disse. Achei estranho.
   Diferente de Kabet, que apenas assumia que eu iria segui-lo, enquanto caminhava pelo mundo das sombras, Kalith segurava minha mão na sua quando era ela a me levar. Eu não gostava, mas não via muito sentido em protestar.
   Quando saímos das sombras, bem no meio de uma sala mal iluminada, cheia de computadores, quase todos com alguém sentado na frente, Kabet já estava a nossa espera.
   - Uma lan-house? - Eu sabia que ninguém podia nos ver ou ouvir, por isto falei em voz alta - nós vamos encontrar Lúcifer em uma lan-house?
   - Quer um lugar melhor para demonstrar a obra dele? Ou você acha que foram os anjos que inventaram os computadores? - Sem saber se Kabet estava falando sério, eu preferi ficar em silêncio. Tantas coisas que os demônios diziam como brincadeiras acabavam se mostrando mais verdadeiras do que eu poderia imaginar, que era impossível separar as piadas das verdades.
   Kalith continuava segurando minha mão. Eu tentei soltar, mas ela apenas segurou mais firme, e caminhou comigo, Kabet atrás, até uma sala, descendo uma escada.
   Ela me soltou para abrir a porta, e eu coloquei as mãos nos bolsos, para que ela não pudesse pegá-las novamente, e entrei.
   Havia uma mesa, duas cadeiras, ambas ocupadas. Teríamos que ficar de pé. Em uma das cadeiras estava Lúcifer, parecendo um homem de talvez 30 anos. Ele tinha uma aparência diferente cada vez que eu o via. A outra cadeira estava ocupada por alguém com uma capa, o capuz sobre a cabeça. Alguma coisa impedia-me de ver quem era, como se um holofote de escuridão em vez de luz estivesse projetando em cima da pessoa. Ou do que quer que a criatura fosse.
   - Você demorou - a voz de Lúcifer era melodiosa, parecia vir de um anjo. Bom, ele era um anjo, pensei me silêncio.
   Kalith respondeu antes que eu pudesse falar - Ele foi ferido. Por isto demoramos.
   - E sua missão? O velho está morto, como eu mandei?
   - Sim - falei sem hesitar, e não disse mais nada. Quanto menos falasse, melhor, eu achei.
   - É mesmo? Você não hesitou, não pensou em mudar de ideia? Não teve nenhum impulso suicida de me desobedecer e deixá-lo viver?
   - Não. Eu fiz o que você mandou - Levei dias para parar de chamá-lo de senhor. Kabet me avisou que isto poderia deixá-lo muito zangado. De todo modo respondi novamente tranquilo, tentando ignorar meu coração que batia cada vez mais acelerado. Kabet havia me garantido que nem Lúcifer nem ninguém podia ler os pensamentos de uma pessoa.
   - Aposto que sim. Lucy?
   A garota tirou seu capuz e olhou para ele - Ele nem tentou matar papai. O velho até se prestou a se cortar e esparramar sangue no garoto. Me enganou quando eu o vi - ela virou o rosto para mim, sorrindo - Desculpe pela faca. Foi mal. Espero que não tenha machucado.
   "Imagine. É divertido ver suas próprias tripas saindo para fora do corpo". Eu não respondi. Estava mais preocupado com o que ia acontecer agora.
   - E então meu jovem? Alguma coisa mais a dizer? - Lúcifer inclinou a cabeça para o lado enquanto falava. Eu abaixei a cabeça por um instante, o coração batendo ainda mais acelerado, os olhos começando a lacrimejar. Então levantei a cabeça e olhei bem nos olhos dele.
   - Quer saber, eu sou um péssimo demônio. Eu nunca quis ser um. E por mais que todos sejam engraçados e brinquem e contem piadas, vocês estão o tempo todo matando pessoas, e eu não quero fazer isto. Então, se vai me matar por causa disso, faça de uma vez – eu me vi quase repentido as palavras do velho, do pai de Lucy.
   Então me calei. E Lúcifer riu. Ele se levantou e começou novamente a falar.
   - Sabe o que aconteceria se você tivesse se tornado um anjo? Um anjo desobediente? Eles também matam pessoas, sabia? Você seria condenado agora. Deus não aceita desobediência. Anjos não aceitam desobediência. Sua sorte é que eu não sou mais um anjo.
   E ele continuou.
   - Meu grande crime foi dar o livre arbítrio a vocês, fazê-los conhecer o bem e o mal. Você acha que eu iria puni-lo por mentir? Por me desobedecer? Eu sou o rei das mentiras, o primeiro desobediente - Ele aproximou o rosto do meu - se tivesse matado seu antecessor, eu o deixaria voltar para sua mãe, e viver toda sua vida mortal, e nunca mais nenhum anjo ou demônio o procuraria. Isto já aconteceu antes.
   Era tudo que eu gostaria. Poder voltar para casa, para minha mãe. Me afastar dos demônios e suas mortes e violência. Lúcifer, porém, falava como se estivesse me parabenizando.
   - Mas não. Eu sabia o que esperar. Você é exatamente o demônio que eu quero que seja, Ardath. Você fez a coisa certa, e seu espaço está para sempre garantido entre os meus.

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