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FICÇÃO CIENTÍFICA  -  FANTASIA  -  TERROR.


Alien a Bordo

   Eles vieram em grupos de dois ou três, com a exceção de Even, que veio sozinha. Alguns conversavam animadamente, enquanto outros — principalmente os que foram acordados no meio de seu turno de descanso — estavam mais silenciosos. Todos estavam curiosos com o motivo de terem sido chamados para nossa sala principal de reuniões.

   — Rubi, tranque as portas. Não abra até eu autorizar — a atenção dos recém chegados se centrou em mim, enquanto as portas suavemente se fechavam. Todos os dezessete tripulantes da nave de guerra "Luz nas Sombras" estavam reunidos em um único compartimento, o que era terminantemente proibido pelos regulamentos, exceto em situações de emergência.

   — Senhores — eu falei em voz baixa de propósito, o que os obrigou a ficar em silêncio para conseguir me ouvir — há um espião entre nós.

   Sem nada mais dizer, fiquei observando, atento a suas reações.

   Num primeiro momento, ninguém falou nada, apenas olharam para mim e depois uns para os outros, surpresos e sem saber o que dizer. Foi Olaf quem primeiro quebrou o silêncio. Ele ocupava um posto de terceiro nível, mas era mais velho que qualquer outra pessoa a bordo, o que, por si só, já lhe dava uma autoridade que ia além de qualquer hierarquia de comando.

   — Isto é impossível, Ralph.  Nossa missão é contra o flagelo, como alguém poderia ser um traidor?

   — É isso que teremos que descobrir, Olaf. Nunca conseguimos estabelecer contato com o inimigo, desde que nos atacou em Colonia 7, e não sabemos quase nada sobre ele. Mas o fato é que, de alguma forma, alguém na nave está trabalhando para o flagelo, e, se não descobrirmos quem é, teremos que abortar a missão.

   — Como você tem tanta certeza disso, Ralph? — Margô, nossa analista chefe, tomou a palavra. Provavelmente a mais inteligente da minha equipe, era também quem eu tinha mais dificuldade de lidar.

  — Não sou eu que tem certeza, Margô, é o comando central. Rubi, apresente para todos o que você me relatou.

  — Pois não, Ralph - a voz sintética do computador central da nave era indistinguível de uma voz natural — a confirmação veio na última transmissão que recebemos, e devo dizer que, com base nos fatos transmitidos, concordo com as conclusões do comando tático. Há, com altíssimo grau de probabilidade, um espião nesta nave.

  — Com todo respeito a você e seus colegas do comando tático, Rubi, não seria a primeira vez que um sintético chega a conclusões falsas. Todos sabemos como vocês têm tido dificuldade em entender e reagir ao flagelo — de toda minha equipe, Margô era sempre quem tinha mais ressalvas a tudo que envolvia inteligências artificiais. Curioso que ela era também a mais lógica e com raciocínio mais semelhante aos sintéticos — É por isto que orgânicos seguem sendo responsáveis pelas decisões estratégicas de alto nível.

  — Estou ciente de nossas limitações, Margô, e o percentual de erro de nossos resultados é, atualmente, incluído em toda análise estatística que fazemos. Entretanto, as conclusões já foram validadas pelo alto comando, que, como você sabe, é composto exclusivamente por orgânicos — a voz de Rubi continha um leve traço de reprovação. Há anos, sintéticos vinham questionando a ausência de computadores na cúpula do comando central.

  — Sugiro que deixem Rubi concluir seu relato — eu intervi, visando assegurar que nos concentrássemos na única questão realmente importante em jogo.

  — Obrigado Ralph. Para contextualizar melhor nossas conclusões, primeiro apresentarei um breve relato de nossa situação atual.

   Eu mal prestei atenção, enquanto Rubi relatava, de forma muito resumida, os acontecimentos das últimas quatro décadas. Obviamente desnecessário, mas sintéticos parecem sempre duvidar da nossa capacidade de reter informações. Ela rapidamente passou pelos primeiros contatos com os alienígenas, pela destruição de Colonia 7, pelas tentativas de comunicação —  enquanto ainda se acreditava que poderia ser tudo um mal entendido —  até a mobilização para a guerra e as primeiras batalhas no espaço.

    — Nos últimos dez anos —  Rubi continuou  — embora tenhamos, em grande parte, detido o avanço alienígena, percebemos que eles pareciam antecipar nossos movimentos, em um grau que não poderia ser facilmente explicado pela sorte, ou mesmo por um adversário com inteligência superior a nossa. Inevitavelmente, nós, sintéticos, chegamos à conclusão que a única explicação racional era a presença de espiões entre nosso povo.

  — E o alto comando concordou com esta conclusão? — Margô interrompeu novamente.

  — Na verdade, inicialmente não. Pela ausência de sintéticos, como pontuei antes, Margô, o alto comando sofre das mesmas fragilidades de inteligências puramente biológicas. Como sabemos, orgânicos têm dificuldade em aceitar conclusões sem evidências diretas. Estas evidências foram finalmente obtidas.

  — E que evidências são estas?

  — Pouco depois de iniciarmos nossa viagem, uma mensagem codificada foi enviada para esta nave. Foi por puro acaso que detectei a comunicação, mas não consegui identificar sua origem nem seu conteúdo. Porém, temos próximo de 100% de certeza que foi enviada pelos alienígenas. A conclusão lógica é que há alguém nesta nave que recebeu esta mensagem, alguém que está em comunicação com o flagelo.

  — E, senhores   — interrompi  —  não sabemos quem recebeu a comunicação, não sabemos suas intenções, e não sabemos o conteúdo da mensagem. Mas, como comandante da nave, eu não tenho outra escolha além de abortar a missão, a menos que descubramos, aqui e agora, quem de nós é o traidor.

     *     *      *

   Foram horas e horas de discussões, com teorias sendo formuladas, apenas para serem em seguida descartadas. Com o tempo, a desconfiança foi aumentando, junto com o cansaço e a irritação.

   Algumas revelações surgiram, mas nada que indicasse uma solução para o mistério.

   Even participou dos protestos estudantis de 2315, esteve presa, mudou o nome, recebeu uma permissão especial do governo para começar uma nova vida.

   Laos fazia parte de uma seita ilegal que defendia a rendição para os alienígenas, por acreditar serem eles seres superiores. Ele foi um forte suspeito de ser o traidor. Até que revelou o que o fez sair da seita e se alistar. Sua irmã morava em Colônia 7, o mundo que os aliens transformaram em um inferno radioativo. Ninguém mais questionou sua lealdade.

  Foi a suspeita de Margô que atingiu a todos de forma mais impactante.

   - Eu sei quem é o único aqui que pode ser o traidor - ela disse.

   Nós olhamos para ela, curiosos. Sua pausa obviamente para gerar mais impacto na revelação.

   - Rubi. O único traidor possível é Rubi.

   - Margô - Rubi respondeu de imediato - eu sei que você tem restrições aos sintéticos, mas esta hipótese não faz sentido.

   Foi a mais longa das discussões. Por um lado, não víamos como os alienígenas poderiam ter alterado Rubi. Boa parte de sua personalidade era fixa, codificada diretamente em hardware, portanto não sujeita a manipulação. Por outro lado, todas as alternativas também não pareciam fazer sentido.

   Por fim, a discussão se encerrou com base no argumento mais importante de todos. Se os alienígenas estivessem controlando os sintéticos, então a guerra já estava virtualmente perdida. Na verdade, se Rubi assim desejasse, não teríamos sequer sabido da suspeita de haver um espião na nave.

   - Rubi, Margô, estou propondo abortar a missão e retornarmos. Preciso da concordância de vocês dois. Não podemos seguir adiante com o risco de um espião na nave. Deixaremos para o alto comando a tarefa de continuar esta investigação.

   Mais alguns minutos se seguiram, de discussões adicionais, últimas ideias, mas, por fim, houve a concordância. A missão seria abortada. Rubi abriu a porta para sairmos.

   Em minha cabine, eu olhei para meus braços e para os pequenos tentáculos verdes na ponta de cada um. Pensei na mensagem que havia recebido, a mensagem cuja transmissão o alto comando havia detectado: impeça a nave de chegar a seu destino, não importa como.

   Felizmente, consegui meu objetivo sem a morte de nenhum dos seres que aprendi a respeitar.

   "Algum dia voltarei para meu corpo? algum dia serei humano novamente?". Em silêncio me perguntei uma vez mais.

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